26 de abril de 2018
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Vida provisória – Anna Claudia na Holanda

Padecendo pelo Mundo é uma coluna que mostra a vida de brasileiras que foram morar em outros países, quem conta a história da sua vida provisória na Holanda é a Anna Cláudia, que tem 37 anos, é casada há quase 12 anos e tem duas crianças lindas: Bernardo (5 anos) e Manuela (2,5 anos).

APRENDIZAGENS DE UMA VIDA PROVISÓRIA

Meu marido é professor na UFMG e tinha o projeto de fazer pós-doutorado no exterior. Esse projeto começou a ser gestado em 2014, quando tínhamos apenas Bernardo. Minha reação foi: não vou enquanto nossa segunda criança não tiver dois anos, porque não quero passar o perrengue de 0 a 2 anos no exterior, sem rede de apoio. Comecei a tentar engravidar no segundo semestre de 2014. Engravidei de Manuela em janeiro de 2015 e ela chegou em outubro de 2015.

Em 2016, foi o tempo de mexer com a papelada para pedir a bolsa na CAPES e ficar vivendo uma incerteza: vamos ou não vamos? Foi um ano muito difícil. Eu estava super cansada com as duas crianças e achando muito difícil trabalhar sem a clareza do futuro. Fiquei o tempo inteiro no trabalho em dúvida:  devia me engajar com projetos de longo prazo? Tentar mudar de área? Pedir demissão? E se a bolsa não saísse e não fossemos? E minha carreira? E meus projetos? Adiá-los? Mudá-los? E, somado a isso, duas crianças…

Segundo filho

A experiência da segunda maternidade foi mágica na relação com Manuela. Como eu já era mãe, não vivi toda a intensidade da virada de chave de não-mãe para mãe que vivi com a chegada de Bernardo. E isso, fez a relação com Manuela bebezinha ser uma delícia. Porém, eu não imaginava o cansaço…

Segundo filho é mais fácil por um lado, mas MUITO mais difícil por outro. Eu me esgotei. Tive uma crise de stress em julho/2016, na empresa em que eu trabalhava… Tive que ir para o banheiro porque chorava e chorava.  Fui parar na minha terapeuta (um beijo pra Gleice Terra maravilhosa) e fui aos poucos me reorganizando e me reerguendo.

E a vida é cheia de reviravoltas. Fui demitida no começo de 2017, na mesma época em que a bolsa saiu! De repente me vi sem dilemas no trabalho e pronta para viajar. Com um semestre ainda antes da partida, consegui um emprego temporário que foi excelente para meu discernimento do que quero fazer da minha vida profissional e organizei a ida pra Holanda.

Padecendo na Holanda

Chegamos na Holanda em julho/2017, já com a volta marcada para julho/2018. A proposta era que eu cuidasse das crianças, fizesse algum curso, estudasse inglês, aprendesse a cozinhar e a cuidar da casa. Aprendesse um lado do trabalho doméstico que nunca exerci (privilégio branco em ação).

O começo foi muito agitado: conseguir um apartamento, entender como se deslocar pela cidade, cozinhar sem nunca ter cozinhado antes, garantir um nível de estabilidade emocional para as crianças, lidar com os medos e ansiedades. Foi um furacão.

O que aprendi nessa fase: as crianças precisam brincar. Elas foram arrastadas com a gente para todos os lugares para resolver coisas: imobiliária, banco, universidade… Lembro de uma cena que traduz isso: Bernardo no banco, esperando a gente abrir a conta, pegou o guardanapo que estava em baixo do copo em que o atendente ofereceu água, picou o guardanapo todo e transformou cada pedacinho em um bonequinho. Ficou brincando com aqueles pedacinhos de papel como se fossem bonecos, na cadeira do banco. A partir daí comecei a ter sempre alguns bonequinhos na bolsa. Manuela acabava dormindo mais no carrinho e demandando menos que o Bernardo nessa época. No Brasil, sempre que a gente ia resolver esse tipo de coisa, tínhamos com quem deixar as crianças. Aqui, temos que estar com elas sempre (especialmente no começo, enquanto as escolas estavam de férias).

Bernardo na escola

O começo da escola foi outro capítulo da novela. Bernardo foi para uma escola Montessoriana, em que todos falam holandês. Porque o universo é muito mágico e só posso ser grata, na turma dele tem 4 falantes de português (três brasileiras e uma portuguesa)! Essas outras crianças já estão aqui na Holanda há muito mais tempo e já são bilíngues. Assim, quando Bernardo não entendia a professora, elas traduziam para ele.

A escola é linda e ele foi no primeiro mês sem reclamar nada. Eu estava calma, acreditando no que todo mundo fala: criança aprende rápido. Até que mais ou menos dois meses depois ele começou a chorar sem parar e a professora me ligou para busca-lo umas três vezes na mesma semana.

Ele dizia que não aguentava mais não entender nada e que as crianças estavam batendo nele nas brincadeiras. Fui conversar com a professora que disse que as crianças as vezes tentavam explicar a brincadeira e as regras para ele, mas como ele não entendia, elas iam brincar com outras crianças. Eu fiquei arrasada. Não acho que as crianças estavam de fato batendo nele, mas o excluindo.

Como dizer para uma criança de 4 anos: aguenta que daqui a um ano a gente volta para o Brasil e você vai ter seus amigos de volta? Um ano, para uma criança dessa idade, é uma eternidade! Vê-lo sofrendo foi muito duro. Comecei a conversar sempre com ele sobre a importância de estar perto das crianças que também falam a língua dele.

Por outro lado, percebi o quanto ele foi aprendendo o holandês rapidamente, percebi como ele foi ficando mais seguro com o passar dos meses.  Em janeiro as coisas já estavam em outra rotação: ele já entendendo bastante do holandês, falando algumas palavras, entendendo o jeito de brincar das crianças da escola e, paralelamente, super fortalecido na comunidade de crianças brasileiras que fazemos parte.

Manuela na escola

A entrada de Manuela na escola foi ainda mais difícil. Manuela chegou na Holanda com 1 ano e 9 meses e falando quase nada. Como ela não falava nem português, eu estava certa que com a ida para a escola em holandês ela iria se comunicar com o corpo. Minha preocupação era ela morder as crianças. Porém, isso não aconteceu. O que aconteceu foram dias e dias de choro na hora de deixa-la.

Na escola da Manuela também tem outras crianças brasileiras (gente, somos muitos! Estamos em todo o mundo! E, no caso da escola da Manu, tinham crianças de Belo Horizonte!). Eu a deixava na escola chorando e chorava. E depois ligava para a escola para saber como ela estava. Ela chorava uns minutos e depois ia brincar, mas a intensidade do choro na separação foi muito difícil para mim.

No Brasil ela já ia para a escola e a adaptação foi muito mais fácil, até porque ela e o Bernardo estudavam na mesma escola e iam juntos. O sistema de educação da Holanda é diferente. Então, as escolas de crianças de 0 a 4 anos são diferentes das escolas para crianças acima de 4 anos. Aliás, eles nem chamam de escola de 0 a 4 anos. Em janeiro também as coisas acalmaram e Manu passou a me dar tchau ao entrar para a escola e cantar músicas infantis em holandês.

Culpa materna

Minha primeira reação foi pensar que eu e meu marido éramos cruéis e que estávamos obrigando as crianças a passarem por situações excessivamente difíceis. Qual é o papel das crianças nos projetos dos pais? Virei noites com essa angústia e essa culpa. Por outro lado, tinha a certeza de que crianças e adultos se adaptam, mas não do dia para a noite.

Fiquei refletindo sobre ser família e sobre ser adulto. Somos responsáveis enquanto adultos pelas decisões que tomamos e que influenciam toda a família. E essa responsabilidade me transformou numa fortaleza para as crianças. O que eu podia fazer é dar o máximo de estabilidade para eles no ambiente privado. Fomos criando uma rotina, encontrando jeitos de funcionar e estamos sobrevivendo.

A barreira da língua

A barreira da língua é tensa demais. Aqui na Holanda todo mundo fala inglês, então, facilita muito para quem é adulto e fala inglês. Mas minhas crianças não falavam nem inglês e nem holandês. Tem que ter calma e não pirar. Difícil demais lidar com cada dia de uma vez, mas é o único jeito.

Rede de mulheres

A comunidade de mães brasileiras aqui foi e é essencial para nosso bem-estar. Lembro muito do Padecendo e da força que tem uma rede de mulheres.

A comunidade que me inseri é formada por muitas mulheres que abriram mão de suas carreiras e trajetórias profissionais quando os maridos foram “expatriados” nas empresas em que trabalham. E isso mexe com a cabeça de todas nós. Se por um lado, é possível compreender a oportunidade de ficar com as crianças como um privilégio, a angústia de não estar trabalhando de forma remunerada é intensa. Estar com essas mulheres me fortaleceu e me ensinou inúmeras coisas.

Estou sem trabalhar de forma remunerada pela primeira vez desde que comecei aos 18 anos. E trabalhando muito em casa e no cuidado com as crianças. Aprendi a ficar com as crianças sem ansiedade. Isso talvez tenha sido a aprendizagem mais importante nessa vida provisória daqui, e que quero que seja permanente.

Hoje consigo brincar com as crianças estando presente. Não era fácil antes como é agora. Era sempre um esforço de concentrar nas crianças e desligar das demandas do trabalho. Agora aprendi a estar com elas. E como é delicioso.

Cozinhar

E aprendi a cozinhar. Um amigo traduziu minha sensação:

“Cozinhar é uma delícia, fazer comida é uma merda”.

Acho que é isso mesmo: quando tenho tempo para pensar uma receita e cozinhar é um prazer. Quando as crianças estão demandando e tenho que fazer uma comida é bem menos prazeroso. Mas, estamos todos vivos e gordinhos (aliás até demais… a comilança do inverno que não acaba nunca já agregou vários quilos à minha pessoa). Aprendi a cuidar da minha casa. Isso também tem sido muito interessante, mesmo que repetitivo e monótono algumas vezes.

Feminista do lar

Se, como feminista, sempre defendi a importância do trabalho reprodutivo, minha experiência aqui concretizou que o trabalho reprodutivo sustenta o capitalismo e é cada vez mais invisibilizado e desvalorizado.

O fato de minha estadia na Holanda ter data de início e data de fim transforma tudo. Há uma ansiedade do retorno, há uma euforia de aproveitar tudo, há uma angústia com a provisoriedade. Fico me perguntando que vida que não é provisória e que no fundo a gente não tem certeza de nada do futuro. Por outro lado, a existência de uma data de fechar esse ciclo aqui concretiza essa provisoriedade.

O que aprendi com essa vida provisória: tentar viver um dia de cada vez. Para uma pessoa ansiosa e controladora como eu, isso é muito difícil e um esforço enorme. Muitas vezes me peguei lutando contra o tempo: querendo que chegasse logo o dia de ir embora, ou lutando contra o inverno. E lutar contra o tempo é batalha perdida.

O clima

O clima é outro fator para aprender a lidar.  Não senti frio (isso é fato) já que os casacos são adequados e todos os lugares são aquecidos. Senti confinamento. Um cansaço de ficar em lugares fechados e muita vontade de ficar na rua. No frio é impossível ficar muito tempo na rua. Você precisa entrar em algum lugar aquecido. E isso me apertava o peito. Queria ficar na rua, queria ir para parquinhos abertos com as crianças, queria ar livre.

Imagino que outras mães podem ter vivido ou estejam para viver esse tipo de experiência. Acho que a gente não passa imune a nenhuma experiência na vida e não é necessário mudar de cidade para mudar de jeito de viver. Porém, o deslocamento geográfico (e no meu caso, de continente) traz uma oportunidade para rever estilos, revisitar certezas e inventar novas formas de cotidiano. Fácil não é, mas quem disse que a vida é fácil?

Leia também:

Luciana em Dubai – Welcome to my world

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1 Avaliação de Vida provisória – Anna Claudia na Holanda

Tânia disse : Guest Report 4 days ago

Verdadeiro, sincero e emocionante relato sobre a experiência de uma mulher, mãe e profissional... assim como eu, muitas mulheres devem ter se identificado com sua experiência, angústias e descobertas. Obrigada pela oportunidade de refletir com essa leitura!

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