Há algumas semanas a Cris Barakat, padecente, me sugeriu escrever um texto contando sobre a minha vida antes e depois do “Padecendo” porque muitas pessoas não tem ideia do quanto minha vida mudou. Acho super universo umbigo ficar falando de mim, mas…
Universo Umbigo – por Bebel Soares
Me formei em arquitetura em dezembro de 1999. Desde então mergulhei na profissão. Até eu engravidar era comum eu trabalhar 12 horas por dia. Eu queria ser a melhor, eu me esforçada muito, na faculdade e depois de formada. Era o que eu gostava de fazer, era o que eu queria pra minha vida inteira! Fiz projetos pra UNA, pra Infraero, pra Telemar, projetei várias casas, detalhei centenas de quartos, salas, cozinhas, banheiros, fiz projeto de Clube, de casa de campo, reforma de prédio, apartamentos decorados. Dedicação total aos meus projetos. Engravidei planejando não mudar nada na minha vida profissional.
Meu filho nasceu em 2009, gravidez planejada, calculada. Trabalhei até o dia anterior ao nascimento dele. E, quando ele tinha 28 dias, voltei a trabalhar. O levava para meu escritório com uma enfermeira para que pudesse amamenta-lo a cada uma hora e meia, duas horas. Tinha berço e trocador, álcool fraldas, tudo. Era importante pra mim, profissional liberal voltar ao trabalho, não deixar minha sócia na mão, e não ficar pirando dentro de casa. Não nasci pra ser dona de casa, muito menos pra ser mulher de marido. Nada contra as pessoas que fizeram essa escolha e que se sentem bem com isso. Na verdade agora eu sinto até uma pontinha de inveja delas, porque seria tão mais simples se eu aceitasse viver assim!
Meu filho era um bebê muito bonzinho, fofo, não teve cólicas, não teve dificuldade pra começar a tomar a mamadeira mesmo depois de meses mamando apenas no meu peito, não teve dificuldade nenhuma pra começar a ingerir outros alimentos.
Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar!” – Chico Science
Mas, pouco antes de completar dois anos, veio o surto, o “terrible two”. Criei o Padecendo no Paraíso, convidei 30 amigas, mães, pra participarem. Mal sabia o que aquilo ia se tornar na minha vida. Hoje posso comparar a uma gravidez não planejada. Como se tivessem me enganado dizendo que colocar “só a cabecinha” não traria maiores consequências à minha vida! Mas quando a gente engravida, mesmo sem querer, encara e ama o filho, luta por ele, se entrega. É essa a minha relação com o grupo. Amor e cuidado de mãe, momentos de falta de paciência, mas sempre buscando evoluir, aprender, ensinar, compartilhar. Meu primeiro filho não mudou a minha vida como o Padecendo fez.
Não sei se minha vida virou de cabeça pra baixo depois do grupo ou se estava de cabeça pra baixo e tomou o rumo que deveria tomar. O fato é que eu criei o grupo pra ter ajuda e pra ajudar, pra trocar experiências, pra ter consolo, pra não me sentir sozinha, pra saber que todo mundo passava pelos mesmos problemas e dificuldades que eu.
A gente planeja a vida, planeja o casamento, planeja os filhos, mas nada, nada sai exatamente como imaginamos, nada é tão simples e tão fácil na prática como parece na teoria.
Em alguns momentos pensava que estava submersa no padecendo, hoje eu me dei conta que fui engolida por ele. Passo o dia com a cabeça cheia, organizando palestras e eventos, respondendo mensagens in box, e-mails, organizando carteirinhas, pedindo as pessoas pra escreverem algum texto pro blog, lendo e editando os textos , dando entrevistas, e pedindo doações de sangue, de roupas, de brinquedos, participando de algum movimento, uma blogagem coletiva, indo pra porta de escola manifestar, ajudando a organizar passeatas pela melhoria do sistema de saúde. E indo a reuniões em hospitais, em gabinetes de deputados e pedindo doações, e usando o meu espaço de trabalho pra guardar as coisas doadas até ter pra quem entrega-las.
O que as pessoas não sabem é que nada disso me dá dinheiro, nada disso chega perto do que eu ganhava com os meus projetos e que, embora eu projete muito menos agora, são meus projetos que ainda me sustentam e sustentam o padecendo. É a arquitetura que me permite bancar os custos fixos do aluguel da sala, condomínio, luz, IPTU, internet e tudo mais para que eu trabalhe para o Padecendo, para que eu disponibilize o espaço para as palestras.
A grama do vizinho é sempre mais verde. Ah, se a minha vida e minhas finanças chegassem aos pés do que as pessoas imaginam! Não, eu não recebo pra dar entrevista, a gente não vende entrevista, a gente dá! Porque já soube que tem gente que acha que eu recebo pra aparecer em jornal, que só de respirar eu já estou ganhando dinheiro!
Ah, se eu ganhasse um real pra cada in box que eu leio, pra cada post que eu comento, pra cada texto que eu publico no blog! A realidade é muito diferente da ficção.
Padecendo no Paraíso nunca teve objetivo comercial. Difícil conciliar nossos objetivos, com a demanda. Pra não poluir e prejudicar o grupo, mudar o foco, temos a fanpage, o blog, o evento dentro do grupo para divulgação, posts patrocinados.
Grupo de facebook, gente! Fama de facebook! Rica nem no banco imobiliário! Quem tem me bancado é meu marido, eu pago as minhas contas pessoais, despesas do meu filho, só! A verdade é que pago pra trabalhar.
É muito fácil ser taxada de megera, de elitista, de grossa. É muito fácil fazer cara de rica pra foto. É muito fácil julgar quem a gente não conhece. Na teoria tudo é muito fácil! Quando eu engravidei eu não tinha a menor noção dos problemas que eu iria enfrentar depois que meu filho nascesse, porque eu só conhecia a teoria. Quando criei o Padecendo eu tinha menos ideia ainda, não conhecia nem a teoria, quanto mais poderia imaginar o lado prático de unir pessoas com o mesmo objetivo, cuidar dos filhos, cria-los bem, educa-los para a vida, mas com opiniões tão divergentes. Como é difícil mostrar pras pessoas da importância de se pensar no todo e não próprio umbigo. E como é difícil manter as pessoas unidas, hoje em dia parece que é muito mais fácil separar do que juntar. Na menor dificuldade a gente entrega os pontos, desiste. Porque toda essa dificuldade em compartilhar?
Ainda bem que, nesses anos de vivência no grupo encontrei muitas amigas, reencontrei outras. E porque não fazer parcerias, trocar ideias com pessoas que tem outros blogs. Porque não sair do universo umbigo e olhar pro mundo? Ver o que se pode fazer de melhor por ele? Porque não dar o seu melhor e acreditar que você vai colher bons frutos.
No final do mês eu entro na TPF – Tensão Pré Ferro – como vou pagar as contas no início do mês? Ai eu tenho um surto e apelo com algum comentário besta e pronto, já virei Judas! Eu não posso me cansar, não posso chorar, não posso reclamar. Não posso falar palavrão! Ah, virei Madre Tereza de Calcutá por acaso? Sou de carne e osso, e tenho sentimentos, me esgoto! Tem como ficar zen 24 horas por dia? Eu fico P* também!
Criar filho não é receita de bolo, também não existe receita pra criar grupo no facebook. Pode até dar certo, mas isso não significa que dê lucro! O que a gente ganha é experiência, amigos, alguns inimigos também. Mas a vida segue e se eu não fui internada num hospício até agora, nada mais vai me abater!
A minha realidade é muito diferente do que pintam. Eu gosto mesmo é de ficar no mato vendo a chuva ou curtindo um sol!