Iniciada uma discussão acerca da segurança dos pequenos em ambiente virtual, há de se entender que, muito além da exposição de dados que possam levar a uma situação de risco, há também a exposição que conduz ao desrespeito à individualidade da criança. Porque somos pais e mães, tudo podemos?
Os tempos mudaram e, hoje, já não se perde tempo ligando para cada amigo ou parente para noticiar uma gravidez ou uma adoção.
As redes sociais se encarregam de espalhar, com muita festa, diga-se, as novidades e os sonhos que se realizaram ou se realizarão.
Do ultrassom à sessão “newborn”, nada passa despercebido – afinal, felicidade mesmo é aquela que pode ser compartilhada, correto?
Em parte. Isso porque, com a mudança nos costumes, há de se pensar também nos efeitos negativos de tamanha exposição.
Será que a criança, quando crescida, irá aderir às redes sociais que os pais utilizam tanto?
Será que haverá felicidade em ver cada passo do seu crescimento registrado publicamente (nem que seja para os duzentos amigos dos pais em uma determinada rede, ou para os mais de 300 seguidores em outra), sem que ela pudesse ter dito um “não”, ter impedido?
Os pais que hoje gostariam de ver suas vidas retratadas como um chamado “livro aberto”?
Ainda que a resposta a essa última pergunta seja um “sim”, deve-se ter em mente que filhos não são nossa extensão.
Eles podem ser a continuidade de uma família, uma nova geração de um sobrenome, mas não se confundem com a identidade única e exclusiva que cada um carrega.
Segundo a professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Adriana Lia Friszman de Laplane, “a autoimagem é o reconhecimento que fazemos de nós mesmos, a partir de um conjunto de sentimentos, atitudes, ideias e vivências. É ela que permite ao indivíduo o equilíbrio para lidar com o mundo social e físico”.
Tendo em vista que a autoimagem se inicia com o nascimento e se desenvolve conforme o desenrolar da vida do indivíduo, há de se frisar que antecipar as decisões pela criança pode se traduzir num “atropelamento social, psicológico e até mesmo emocional”.
Afinal, como poderemos ver um adulto seguro de si, quando importantes escolhas sobre sua vida mais íntima e privada foram tomadas sem sua presença?
Por outro lado, como poderá um pai impor regras ao filho, se a própria violação desnecessária da intimidade desse pequeno pode ter ocorrido ainda bebê?
Sabemos que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, determina que cada indivíduo tem direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, sendo essas invioláveis (e, caso haja violação, assegura inclusive o direito à indenização).
Pensar nesses direitos, que são considerados fundamentais, faz-nos indagar sobre até que ponto respeita-se a imagem de uma criança quando são publicadas fotos suas sem roupas, ainda que em tom de brincadeira.
Até que ponto é possível imaginar que a vida privada de um filho é garantida quando, desde pequeno, ele é exposto a quem quer que passe por páginas e mais páginas dos pais.
Até quando se tem respeito pela imagem de uma criança quando, para ela, é criada uma rede social sem que a mesma pudesse consentir.
Porque somos pais e mães, tudo podemos?
Sob o pretexto de que os pais têm total liberdade sobre como conduzirão os caminhos de seus filhos, muitos têm determinado cada curva:
- qual religião seguirá
- quais idiomas falará
- qual será seu corte de cabelo
- qual será a programação da televisão – se essa for permitida.
Porém, muito além de escolhas que o pequeno ainda não é capaz de determinar por si só, como as que foram mencionadas, a criação de uma rede social para ele sem que o mesmo pudesse opinar e/ou sua extrema exposição em um ambiente virtual passam pelo questionamento do respeito, já dito anteriormente.
Certo de que:
- poderá fazer um novo corte em seus cabelos
- poderá adotar idiomas distintos ou apenas um
- assistirá ou não televisão
- a qualquer tempo, mudar suas convicções religiosas
O adulto que foi exposto
O adulto que foi exposto na internet talvez não terá a mesma sorte para mudar o que já está “lançado aos quatro cantos com tamanha propagação de dados”.
Assim, ainda que consiga modificar todo o resto, será que conseguirá apagar de sua vida tanta invasão precoce?
Caso nunca deseje participar de uma rede social, como terá valido sua vontade, antes mesmo que pudesse expressá-la?
Dito isso, vê-se que o texto não é de fácil digestão, uma vez que afronta o senso comum de que não há nada mais natural do que a “evolução” para o mundo da internet.
Mas, pensar além das opiniões comuns pode conduzir-nos ao verdadeiro entendimento da realidade. Afinal, segundo Piaget:
“A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe”.
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