Tudo começou quando eu tinha quatro anos. Meu pai me abortou da vida dele. Não tenho contato, sei que está vivo, mora em BH e só. O vi umas três vezes, uns 23 anos atrás. Tenho duas irmãs por parte dele. A mais velha eu conheci e a mais nova só pelas redes sociais. Minha mãe estava grávida do meu irmão, a criatura assumiu “a família” e fomos morar com ele, eu passei a chamá-lo de pai. Como eu tinha apenas quatro anos, mal sabia quem eu era, aceitei de bom grado o tal pai.
Padrasto abusador. Mãe omissa
Sempre achei péssima relação dele com minha mãe. Mais ainda depois de crescer e me tornar mãe. Não quero nunca que meus filhos e nem ninguém passe pelo o que eu e meu irmão passamos. Aconteciam brigas horríveis, gritaria, batidas de portas, barulho de vidro quebrando, enfim… Fora, cigarros e bebedeira de ambos.
Até que um dia ele passou a fazer carinhos por baixo da minha roupa. Não ligando que eu estivesse de saia ou calça. Esses carinhos aconteciam na cama dele ou na minha ou mesmo na hora do banho. Eu não sabia o que era aquilo. E ele dizia sempre:
“Esse nosso carinho é nosso segredo.”
“Você não pode contar para ninguém.”
“Se o papai descobrir que você contou, o papai vai embora para sempre.”
Eu obedeci.
Os anos foram passando e passando, ele continuou com essa conversa fiada, e abril de 1990, eu fiquei “mocinha”. Eu era uma pessoa perdida. Tinha onze anos, estava na quarta série de uma escola em Juiz de Fora, passando por isso tudo. Tinha medo até da minha sombra. E minha mãe resolve colocar esse “pai”, para conversar sobre o que estava acontecendo comigo. Ela já tinha me dito: “Filha, a partir de agora, não deixe homem nenhum passar a mão na sua bunda”. Juro que foi essa a conversa que ela teve comigo. Lembro-me de ficar muito angustiada quando ela chamou o sujeito para me explicar sobre o que estava acontecendo no meu corpo. Me lembro de entrar no banheiro e chorar muito durante o banho. Quando saí, disse que ninguém precisava conversar nada comigo, pois eu já tinha lido na revista Querida, que eu tinha ficado menstruada. Essa mentira colou. E eu tive sossego por bons dias.
Enquanto escrevo revivo o que senti nessa época.
Uma repugnância de mim, dele, da minha mãe…
Num domingo, em 1991, eu estava deitada na cama da minha mãe com ela assistindo TV. Ele se deitou também. Meu alerta ligou, mas não consegui sair da cama. Minha mãe tinha dormido e ele começou a passar as mãos em mim. Ele viu que eu tentei gritar e pôs a mão na minha boca. Tentei chutá-lo por debaixo das cobertas, esperei uma reação da minha mãe e nada. Ele conseguiu tirar a minha calcinha e começou. Nunca chegou às vias de fato, mas as preliminares, por assim dizer, rolavam soltas. A partir desse dia, eu comecei a desconfiar que ele não fosse meu pai. Perguntava para minha mãe e ela dizia que sim. Eu não tinha acesso à minha certidão de nascimento. Quando eu e meu irmão brigávamos ela dizia: “Na hora que o pai dele chegar, ele vai ver só”. E insistia em perguntar se ele era meu pai e ela dizia que sim.
Nesse dia da TV eu tive vontade de morrer.
Me senti desarmada e desprotegida de tudo. De carinho, de diálogo, de tudo. Queria sumir para qualquer outro lugar que não fosse a minha casa. Lembro-me de ligar para minha madrinha e disser que tudo o que eu mais queria na vida, era vir para BH morar com ela. Ela também não me ajudou.
Minha relação com minha mãe piorou. Eu passei a não contar nada para ela. E ela, até hoje, não entende o motivo. Acredito que seja impossível ela não ter sacado o que rolava. No divã um dia eu resolvo! Já que com ela, não tem muito jeito.
O sujeito era viajante, representante da Oxford. Passava a semana fora e aparecia, para o meu desespero, nos finais de semana. Deixava minha mãe com um dinheirinho para despesas. Ela fala que não era muito não. Mal dava para passarmos a semana. Quando o sujeito aparecia, minha mãe furtava dinheiro dele. Na minha frente e na do meu irmão.
Quando ele estava em casa, eu nem respirava.
Vivia com medo até da minha sombra. Quando ele não estava em casa eu só conversava sobre o trivial com minha mãe. Detestava as vezes que eu ficava sozinha com ele em casa. Eu sabia que ele viria me procurar. Teve uma vez que rolou no chão da sala oral com a janela aberta e uma mulher do prédio vizinho olhando.
A última vez que ele tentou, eu gritei, e esperneei tanto, que a vizinha do andar debaixo bateu na porta. Eu corri para abrir e ele não deixou. Foi andando tampando minha boca e me colocou no banheiro e fechou a porta. Não sei quanto tempo, se foram horas, minutos ou segundos. Sei que desabei. Não me lembro de ter chorado tanto assim antes. Um choro silencioso. Aproveitei que eu estava ali e me lavei, para ver se imundície, dele e minha, iam pelo ralo. Falo minha, pois eu tinha nojo de mim. Nunca tentei nada contra a minha vida, mas eu não gostava de mim não. Demorou muito para isso acontecer.
Em 1992 minha mãe decidiu se separar. Foi um alívio! E ela disse que teríamos que vir para BH. Então pedi para morar com meus padrinhos aqui. Ela não gostou mas não impediu. E ela e meu irmão foram morar na casa de uma tia dela.
Em 1993, minha mãe veio conversar comigo contando que o sujeito não era meu pai. Eu disse que já sabia e ela perguntou como eu sabia. Tentei contar e ela não acreditou. Disse que era coisa da minha cabeça, que eu sempre tive a cabeça avoada. Que eu sempre tive imaginação fértil, que era muito sério isso que eu estava falando. Não acreditou. Tentei contar para minha madrinha, padrinho, todos. E ninguém me ouviu.
Não foi fácil.
Eu tive muita dificuldade na escola, não sei se por isso ou por alguma outra coisa. Enquanto escrevo, sinto repulsa das lembranças. Tive que aprender a viver com isso sozinha. Coloquei nas mãos de Deus. Devo ter alguém lá em cima, que goste muito de mim para me ajudar a superar isso sozinha. Acho que superei. Tive namorados, consegui ter relações sexuais prazerosas com eles. Esse fato da minha vida, não me travou nesse sentido. Por outro lado, sofro com auto estima. Fui muito insegura na adolescência.
Em 1997, meu padrinho faleceu e eu continuei morando com minha madrinha. Morei com ela até 2004, um pouco antes de ir morar com meu marido. Deus me levou o padrinho, mas me deu meu marido.
Aconselho do fundo do meu coração a todas as mães:
Acredite na criança.
Confiança é a base de tudo.
É ela a prova do amor.
Não vai ser o brinquedo caro, nem a viagem mais bacana das férias.
Vai ser a CONFIANÇA.
Converse desde sempre.
Tenha diálogo aberto.
Não ache que, só pelo fato de serem crianças, não entendem, entendem sim.
Dê segurança para que, se algo assim acontecer, eles saibam que você esta ali. Mostre que, nem todo mundo, tem bons sentimentos. Que o mundo é assim. Que existe em todas as relações o bem e o mal. Que o bem sempre vença!
Eu não desejo o mal para esse padrasto abusador. Desejo que um dia ele acerte as contas disso com Deus. E peço todas as noites para que Deus me ajude a perdoá-lo. Que em sonho, eu consiga resolver essa parada..
É isso!! Bola para frente!
Que a gente consiga vencer a pedofilia! Amém!
Você saberia o que fazer se a vítima fosse um filho seu?