Um dos momentos marcantes em que o indivíduo percebe que a sua vida acabou, digo, mudou, com o nascimento do primeiro filho é a primeira viagem de férias. Para uns mais, para outros menos, é inevitável o baque da primeira aventura em família. Nunca imaginei que chegaria O dia em que fui trocado por um
Taualegre.
O dia em que fui trocado por um Taualegre
O indivíduo passa, durante alguns dias, a viver numa “Matrix”, ou seja, numa espécie de universo paralelo de lembranças que teimam em não ir embora da época em que acordava cedo para uma caminhada ou acordava tarde porque assistiu ao show do hotel; das manhãs intermináveis no bar molhado ou na beirada da piscina lendo um livro de Jorge Amado (para entrar no clima da Bahia); das aulas de tênis, trapézio e surf; da hidro ginástica das 11:00 horas; do almoço com a esposa a beira mar; das sonecas de depois do almoço e do futebol das 17:00, seguido de jantar romântico no restaurante temático e tudo mais que pudesse acontecer…
Para os “aventureiros” o baque é muito maior. A vontade de conhecer novos lugares e novas culturas; contemplar coisas belas como paisagens, monumentos históricos, obras de arte, espetáculos teatrais; apreciar bons vinhos e boa comida… Tudo isso é passado, pois não combina com uma “palavrinha mágica” que, para alguns mais, para outros menos, tem que ser incorporada à nova vida do casal: ROTINA.
Quem não tem filhos (ou já teve há muito tempo atrás e se esqueceu) acha que é pura “frescura”, mas quem tem filhos sabe que a criança, de uma forma geral, precisa de um mínimo rotina. Não estou falando de “disciplinar militar”, mas o sossego dos ouvidos paternos e maternos depende de um equilíbrio de variáveis que não podem se combinar: fome + sono = choro!! Essa conversa de que “depois que eu tiver filhos vou continuar viajando para todo lado do mesmo jeito porque uma criança não pode mudar a minha vida” só vai até o dia do nascimento ou só serve para os que têm ouvidos e nervos de aço.
O paraíso é aqui e agora!
Para muitos pais as primeiras viagens são como uma espécie de purgatório em que é preciso contar os dias, as horas e os minutos em que a criança terá idade suficiente para ser entregue aos “tios”, momento em que são abertas as portas do paraíso.
Mas isso é só no inicio! Aos poucos, acabamos descobrindo que o paraíso é aqui e agora! Que a vida realmente mudou, só que para melhor, muito melhor. Que muito mais gostoso do que “encher a cara” no bar molhado é acompanhar e ver a alegria dos filhotes ao tomar um banho de mar. Que tão bom quanto jogar o futebol das 17 horas (momento em que a “bola” é repassada para a esposa) é chutar muita bola com os filhos (momento em que a “bola” tem que estar com você).
Como é gostoso ser o rei da casa e o bobo da corte ao mesmo tempo; o capitão do time e o carregador de material esportivo; o grande herói que chega no momento em que o filho acabou de levar um caldo só para dizer que foi só um susto e o grande vilão que diz que a brincadeira acabou e é hora de ir para o quarto dormir; o grande artista que passa horas no “espaço kids” fazendo “trabalhinhos” e mais “trabalhinhos”. O “ajudante” que acompanha o “líder” numa expedição guiada por um mapa imaginário pelo bosque do hotel.
Para descansar numa beirada de piscina qualquer, quem sabe, eu terei muito tempo no futuro. A vida é curta e a hora de viver os meus melhores momentos, aqueles que nunca esquecerei, é agora.
Mas hoje o dia começou diferente. Hoje meu filho maior tomou café da manhã e, logo depois, pediu para ir conversar com um “
Taualegre”, monitor que acompanha as crianças no hotel. Conversou, conversou e se encantou com a possibilidade de se unir a turma de crianças monitoradas pelos “tios” para ir dar comida para os peixes do lago e, em seguida, fazer uma caminhada.
Ele percebeu que há pessoas tão interessantes quanto o papai e, sem aviso prévio, cortou o meu cordão umbilical: “ – papai, posso ir dar comida para os peixes e fazer caminhada com os tios?”. “ – Claro filho, pode ir. Depois a gente se encontra”. E, então, ele abriu um largo sorriso e se foi, feliz da vida, sem olhar para trás…
O que ocorreu hoje foi o primeiro passo de um processo inevitável em que não apenas eu, mas também meu primeiro filho, galgamos em busca de do nosso amadurecimento afetivo. O meu filhote descobriu que nasceu para o mundo e que o papai é apenas um “porto seguro” em que é possível voltar se e quando necessitar. No meu caso, eu resolvi aceitar que essa separação e a busca pela independência é pressuposto para que ele se torne um ser humano saudável sob o ponto de vista emocional.
De coração apertado, mas cheio de orgulho no peito, eu me convenço que o momento chegou e o meu reinado acabou. Hoje, meu filho maior cresceu e, sem querer, me fez crescer também.
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