Padecendo pelo Mundo é uma coluna que mostra a vida de brasileiras que foram morar em outros países, quem conta sua história hoje é Sabrina Salmen que viveu alguns anos na Alemanha.
Eu e meu marido passamos juntos no vestibular da UFMG para Engenharia Química e fomos apresentados por uma amiga em comum no dia da segunda etapa. Ali no meio do Campus naquela confusão. Começamos o curso em agosto de 1996. Nossa turma era super animada e nos tornamos bons amigos. Mas só começamos a namorar 7 anos depois, em julho de 2003.
Nos casamos em 2005 e sempre quisemos morar fora. A paixão pelo exterior estava presente em nossas vidas, nas viagens, nas conversas, etc. Aperfeiçoamos o inglês com um curso intensivo no Canadá e, nesta época, ambos trabalham em empresas multinacionais. Fizemos um pacto: quem conseguir uma transferência pra o exterior primeiro, o outro pede as contas e acompanha!
Começamos internamente a tentar uma vaga nas unidades das nossas empresas em qualquer lugar fora do Brasil. Éramos novos e queríamos uma experiência fora daqui. Conseguimos ao mesmo tempo! Ele na Austrália e eu na Alemanha. Emoção, alegria, dúvida, tudo junto e misturado. Tínhamos muita sede de conhecer o mundo, outras culturas e lugares que realmente funcionassem. Analisamos as condições de trabalho, salário e escolhemos a Europa, pela oportunidade de viver em um lugar que funcionasse. Queríamos conhecer o mundo de verdade. Onde tem transporte público, onde tem saúde, onde tem cultura, educação, segurança e onde se tem respeito ao próximo.
Sabrina Salmen na Alemanha
Chegamos à Alemanha no dia 1° de maio de 2009. Tínhamos acabado de completar 31 anos. No auge da empolgação, e nos hospedamos num hotel perto da fábrica onde eu ia trabalhar. Minha chegada à fábrica foi tensa. Ia chefiar uma equipe de alemães. Eu tinha me dedicado muito ao idioma desde que fiquei sabendo da minha ida, e não sou nada tímida, mas claro que, minha comunicação não era boa. Eu era gerente direta de 3 homens e eles eram supervisores dos demais. Destes 3, apenas 1 falava inglês mais ou menos, então quando o alemão apertava, ele me ajudava a traduzir.
Fui chegando e um deles me perguntou a minha idade. Eu respondi e ele disse:
“Você é mais nova do que o meu filho caçula”
Com uma cara fechada e nada convidativa.
Eu, disse toda alegre e sorridente:
“Sério? Nossa! Você não parece ter filhos dessa idade? Já tem netos? Quantos? Depois me mostra fotos!”.
Ele ficou todo desconcertado e mudou de assunto. E assim, eu fui derretendo o gelo dos alemães, e conseguindo conquistar o meu lugar na fábrica aos poucos. Mostrando pra eles que eu estava ali pra trabalhar, que eu não era uma menina, que eu era uma engenheira, que tinha Mestrado e que tinha bagagem técnica pra estar ali. Sim, eles são muito machistas e se sentem acuados por mulheres e estrangeiros.
Obviamente a simpatia e nosso jeito brasileiro de tratar as pessoas me ajudaram demais. Eles não conseguiam ser rudes comigo porque eu era simpática demais com eles. No final deixei bons colegas de trabalhos por lá!
O marido
Em paralelo, meu marido fez um MBA em uma universidade super bacana. Ele teve que estudar demais pra passar na prova de inglês e de alemão. Ficar o dia inteiro estudando gramática para um engenheiro é uma tarefa quase sobre-humana. Mas ele conseguiu passou nas provas e fez um MBA excelente.
Ele foi um companheiro maravilhoso. Eu nunca tive paciência com homem mal resolvido, ciumento e inseguro. Homem que é homem pede demissão e acompanha a mulher numa jornada dessa e vive com a grana dela numa boa! Como ele fez. Nunca brigamos por causa de dinheiro. Tomávamos as decisões juntos do que fazer e do que não fazer. Nós éramos uma família e o dinheiro era da família. Simples assim.
Viagens
Viajamos a Europa toda. Cada país, cada cultura, cada clima, as línguas, os imigrantes. Cada viagem era uma emoção diferente. Como a região é rica! Como tudo funciona! É impressionante! O trem está marcado pra chegar às 14h23min e ele chega neste exato horário. Você compra qualquer coisa pela internet e a compra vem junto com um boleto pra você pagar se você quiser ficar com a mercadoria. Sim, você recebe sem pagar nada. Podem acreditar. E por aí vai.
O inverno é delicioso, nós curtimos muito a neve e tudo que ela traz.
Tem sempre um mas.
As pessoas são frias demais. Fazer amizade é quase um desafio olímpico. Conseguimos fazer amizade com a minha professora de alemão e o marido dela que eram da nossa idade. Nossos vizinhos eram muito gentis conosco, mas nos adotaram quase que como netos/filhos. E só, em 3 anos. Amizades são para a vida toda, mas eles são extremante fechados. Eu não sofri demais com isso, porque o nosso momento era de descobrir o mundo. Mas me conheço e sei que eu preciso pertencer, eu preciso sociabilizar, eu sabia que ali não era o meu lugar. O meu marido é menos sociável, isso pra ele não era problema.
Maternidade e carreira
Engravidei. Tudo super planejado. Inconscientemente eu já havia decidido voltar e a gravidez ia me ajudar a trazer essa decisão para o consciente! Meu marido ainda tinha muita esperança de morar lá pra sempre, mas pra mim não dava do ponto de vista social e, depois eu descobri o principal, não dava pra conciliar a minha carreira e a maternidade.
Sim, pasmem, na Alemanha, para uma mulher/mãe, é muito mais difícil seguir subindo numa carreira empresarial do que é no Brasil. Explico por que.
Não existe babá. Em todo lugar do mundo projetos dão errado, você fica até mais tarde no trabalho (mesmo que seja um dia ou outro), você tem que viajar (umas mais outras menos), seu diretor vai te prender na hora do almoço porque um cliente está com problema e por aí vai. Com quem deixar o bebê?
A Vovó também não é uma opção válida por lá. Não faz parte da cultura. É muito latino isso de avó olhar os netos. Quando eu perguntava lá se as avós olhavam os netos, eu ouvia algumas vezes:
“Ah, igual na Itália? Não. Aqui cada um olha seu filho”.
Não faz parte da cultura. Claro que algumas exceções podem existir, mas também não seria o meu caso.
Crianças não podem, por lei, ficar mais de 8 horas seguidas na escola. Então, para que as mães deem conta de, por exemplo, entregar a criança no berçário às 8 horas e buscarem às 16 horas, elas têm que diminuir a jornada na empresa para 30 horas semanais e isso é devastador para a carreira.
Sim, os chefes são homens e as empresas precisam de gente disponível. E não de gente que vai largar o projeto parado no meio da tarde porque tem que pegar a criança na escola às 16 em ponto.
A licença maternidade é de um ano. Excelente para as mamães e para os bebês! Eu adoraria ter tido um ano com a minha filha. Mas, quando você volta, tem outro no seu lugar. Empresas não esperam um ano para terem o serviço feito.
Dois perfis
Eu conheci dois perfis de mulheres lá: as que são felizes com as 30 horas semanais e suas crianças e seus salários no fim do mês! Não trocariam por mais dinheiro ou mais sucesso na carreira. E as que optaram por não ter filhos por acharem que é privação demais. (Esse segundo tipo vem aumentando tanto que há várias campanhas do governo incentivando a natalidade no país. Você paga menos imposto a cada filho que você tem, por exemplo).
Eu tinha a terceira opção, voltar para o Brasil, e foi o que eu fiz assim que vi como a banda tocava por lá. Meu marido entendeu e também ficou receoso de criar a nossa filha tão isolada da família e amigos. Mas ele ainda sente um pesar.
Diferenças culturais
Aqui, por pior que as coisas sejam, a gente consegue as duas coisas! Temos babá, temos vovó, temos escolas que aceitam crianças por mais de 8 horas e, temos chefes menos machistas. Principalmente quando o assunto é fábrica, engenheiras, etc. Um exemplo disso é o número de engenheiras que formamos no Brasil.
Eu trabalho muito, mas também faço questão de ficar com a milha filha o máximo de tempo que posso. Sou super-mãe, vou a todas as festinhas, teatros e programas que vocês imaginarem. Faço para-casa, dou bronca, coloco para dormir, busco no inglês. E posso pagar por ajuda para que o meu tempo livre seja dedicado à minha filha.
Tudo é muito dúbio, o fato do país ser rico trás as vantagens que a gente procura: saúde, transporte, segurança, educação, etc. Por outro lado, tira os serviços que a gente precisa: babás, faxineiras, serviços de delivery, etc. E no meio entram as empresas que precisam lucrar, os gêneros que precisam ser iguais e as mulheres que precisam ser mães. E as demandas não mudam, por mais que as casas na Alemanha sejam mais simples, elas ainda precisam sem limpas (praticamente não existe apartamento com 2 banheiros. Geralmente é 1 banheiro e 1 lavabo). As roupas também precisam ser lavadas e passadas e as famílias precisam comer.
A equação só fecha com uma variável extra! Por exemplo, um colega de trabalho (homem) pediu para trabalhar 30 horas porque eles estavam privilegiando a carreira profissional da esposa! Ou uma vizinha que foi mãe após os 45 anos porque aí ela já tinha vivido tudo que ela queria na carreira. Exemplos desse tipo, ou uma carreira que vai ficar estagnada após a maternidade. Não que isso seja errado ou triste. Apenas não era pra mim.
O retorno
Ao todo moramos lá por 3 anos, minha filha nasceu lá e voltamos quando ela tinha 3 meses. Eu pedi transferência de volta para o Brasil. Eu não trocaria a experiência por nada no mundo. Amo a Alemanha e já voltamos de férias lá, inclusive com a nossa filha. Ela é feliz aqui, criada bem pertinho da família, das primas, dos avós e cercada de carinho e de muitos amigos. Eu sigo em frente na minha carreira e o meu marido também. Não amo o Brasil, mas não me arrependo. Temos muito pontos positivos, querem ouvir um deles: O Padecendo!
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