Depressão, Jogo da baleia azul, 13 reasons why, suicídio e adolescentes. Até a semana passada, nenhum desses termos faziam parte da minha vida. Nunca tinha ouvido falar no jogo da baleia azul ou no seriado recém lançado no Netflix, 13 razões Why.
Eu estava voltando de um jantar com marido e outro casal quando meu filho de 15 anos me ligou. Com a voz muito alterada, me perguntou onde eu estava e a que horas eu chegaria. Na mesma hora senti o coração começar a bater mais rápido. Perguntei o que estava acontecendo e ele me disse que um amigo de infância do Brasil (moro fora do país), estava trocando mensagens no Whatsapp com ele, se despedindo, dizendo que estava se suicidando, que participava de um grupo desse jogo da baleia azul e que estava na ultima etapa.
Corri pra casa e encontrei meu filho sentado no chão, com cara de pânico, tentando convencer, por mensagens, o tal amigo a não tirar a própria vida.
Suicídio e adolescentes
Me sentei no chão ao lado dele, em desespero pela situação toda, mas tentando manter a calma e a razão para conseguir agir da melhor forma possível. Já era de madrugada no Brasil, umas 2 ou 3 horas da manhã, e esse menino, de 15 anos, que sabe que moramos fora, que temos fuso horários diferentes, e que, de longe, não poderíamos ajudar presencialmente, nos pedia ajuda.
A primeira coisa que meu filho me falou foi pra pegar meu telefone e pesquisar rapidamente o tal jogo da baleia azul. Fiquei horrorizada quando comecei a ler e ver as imagens que apareciam. Meu filho então começou a me explicar que o tal amigo estava descrevendo por mensagens as etapas que tinha feito e o que estava fazendo (de forma DETALHADA) para cumprir a última etapa e se suicidar. Mandei meu filho ligar pro amigo, e ele me disse que já tinha tentado várias vezes mas o menino não atendia. Insisti para que ele escrevesse para o menino pedindo mais uma vez que ele atendesse o telefone. Ele respondeu:
“Não posso falar, cortei a minha língua. Está sangrando muito.”
Nosso desespero foi aumentando e disse pro meu filho continuar escrevendo pro amigo tentando convencê-lo a não desistir da vida e perguntando mais detalhes sobre onde ele estava, com quem, etc… Ao mesmo tempo, comecei a revirar meus contatos tentando encontrar o nome do menino ou da mãe dele.
Havia mais de 4 anos que eu não conversava com ela, nem tinha certeza se os números continuavam os mesmos, mas comecei a ligar, desesperadamente, para os números que eu tinha. Nada. Ninguém atendia. Mandei mensagem pelo Whatsapp (não tinha foto, então não sabia se o número era mesmo dela ou não), mas escrevi me apresentando e pedindo para que, se fosse ela, que atendesse o telefone, disse que era urgente, e que ela precisava encontrar o filho dela rapidamente. Nada. Sem leitura e sem resposta.
Comecei a tentar explicar, disse de novo que era muito urgente, pedi PeloAmordeDeus que ela atendesse o telefone, ou que encontrasse o filho dela com urgência. Nada. Silêncio. Pânico crescendo. Pensei em ligar pra polícia, mas eu não tinha o endereço deles, nem sabia se o telefone era aquele mesmo, e estava ligando de outro país.
Busca nas redes
Pensei em buscar por ela nas redes sociais. No Facebook encontrei o nome dela e me apareceu um perfil com a foto. Agradeci a Deus e enviei um convite de amizade e uma mensagem inbox explicando que o filho dela estava mandando mensagens pro meu filho naquele momento, se despedindo e descrevendo o que estava fazendo para se matar.
Procurei no Instagram e não encontrei.
Meu filho continuava conversando com o amigo. O menino compartilhou o contado de 2 pessoas com meu filho (pessoas que meu filho não conhece) e pediu pro meu filho enviar mensagem mais tarde pra eles dizendo que o amigo tinha morrido mas tinha pedido pra se despedir dessas 2 pessoas.
Uma hora e meia de desespero
Veja bem, toda essa história durou mais de uma hora e meia. Uma hora e meia de desespero pra mim e pro meu filho, que até então, também nunca tinha ouvido falar no tal jogo da baleia azul. Uma hora e meia em que nos sentimos desesperadamente responsáveis pela vida daquele adolescente. Uma hora e meia em que tentei feito louca ligar para os números que eu tinha da mãe e da casa do menino. Uma hora e meia desse menino descrevendo para o meu filho horrores das fases do jogo e do que ele estava fazendo naquele momento.
Até que meu filho escreveu pro menino dizendo que EU queria falar com ele, que iríamos ligar e ele deveria atender e escutar, já que não podia falar. Nessa hora, o menino perguntou pro meu filho porque ele tinha me falado da conversa deles, e disse que era tudo uma brincadeira. Disse que estava bem e que quase tudo era mentira. Veja bem, ele disse “quase tudo”.
Na mesma hora pedi meu filho para perguntar de novo pra ele o número do celular da mãe. Meu filho já tinha perguntado de outras vezes e o amigo tinha ignorado as perguntas. Dessa vez, ele respondeu com o número da mãe na hora. Pediu desculpas pela brincadeira. Agradeceu meu filho por ter conversado todo aquele tempo com ele. Disse:
“Obrigado por se importar comigo. Sei que você está longe, mas já tinha tentado falar com outro amigo daqui dizendo que iria me matar e ele riu, disse adeus e me mandou dormir”.
A conversa terminou aí. O amigo do meu filho não escreveu e não respondeu mais nada. Nunca mais.
Na hora, eu e meu filho não conseguimos nem ter raiva pela “brincadeira” de péssimo gosto. Ficamos foi muito aliviados de saber que o menino estava vivo e que não éramos mais responsáveis pela vida dele. Entendemos tudo isso como um pedido desesperado de ajuda.
Custamos a conseguir nos desligar e dormir. A cabeça a mil.
No dia seguinte, quando acordei já tinha mensagens da mãe do menino, dizendo que não estava entendendo nada, que o menino estava bem e estava dormindo tranquilo em casa. Me pediu pra explicar o que tinha acontecido. Conversamos por muito tempo.
Pedi meu filho pra me encaminhar a conversa inteira do Whatsapp e encaminhei pra ela. Inclusive os contatos que ele havia compartilhado. Ela me disse que estava passando por um período muito difícil. Que o pai dos filhos (ela tem um outro filho mais velho) havia parado de pagar a pensão há alguns anos, e que até o plano de saúde, que era a única coisa que ele pagava ao final, tinha sido cancelado por falta de pagamento há mais de um ano.
Me disse que teve que mudar o filho pra escola pública desde o ano passado, e que sai de casa às seis da manhã para trabalhar e só volta pra casa às 20 horas, que a grana está faltando, etc…
Disse que o filho mais velho já estava tomando antidepressivos há algum tempo, mas que ela não tinha percebido que o mais novo estava sofrendo tanto também. Enfim, a lista de problemas e dificuldades é grande. Me pediu mil desculpas pela brincadeira de mal gosto do filho, e me disse que iria ficar mais atenta.
13 Reasons Why
Tudo isso levantou uma bandeira vermelha grande para vários temas na minha casa. Conversei muito com meus filhos (também tenho 2 adolescentes). Pra minha surpresa, eles me disseram que não era a primeira vez que ouviam sobre suicídio porque tanto eles como todos os amigos da escola já tinha assistido à recém lançada série “13 Reasons Why ” que trata exatamente de 13 capítulos nos quais a protagonista descreve as 13 ‘razões’ pelas quais cometera suicídio. Fiquei chocada. Corri pra assistir o tal seriado. Precisava saber o que meus filhos estavam vendo e sobre o que estavam conversando com os amigos.
A série é um retrato de uma realidade diferente da que nós tivemos na nossa adolescência. Não existia celular, ninguém tirava fotos, não tinha Facebook, Instagram, Snapchat… Não sei na de vocês, mas na minha adolescência não tinha nem internet.
O mundo deles é muito diferente do que um dia foi o nosso. Podemos tentar imaginar, mas não temos plena consciência da perversidade de alguns adolescentes, que, para se sentirem melhor, precisam rebaixar, humilhar, difamar o outro.
Suicídio e adolescentes, com todas as ferramentas disponíveis hoje, o estrago pode ser enorme e pode ocorrer na velocidade da luz. A vítima nem tem tempo pra entender o que está acontecendo. Não dá tempo pra “anotar a placa do caminhão que passou atropelando tudo”.
E a fragilidade da idade, a falta de maturidade, o turbilhão de hormônios, a dificuldade em dar nome aos sentimentos, em codificar as emoções, a quase inabilidade em olhar as coisas em perspectiva, em conseguir enxergar uma saída, ou um futuro melhor, podem acabar levando a vítima à conclusão besta de tirar sua própria vida.
Nossos adolescentes estão frágeis
Nossos adolescentes estão frágeis. Se sentem muitas vezes donos da verdade, mas não tem a estrutura e a maturidade necessários para viver nessa selva de excesso de exposição, mil contatos virtuais e pouquíssimos contatos pessoais. A falta de tempo nossa, pais, pela correria da vida e a necessidade de matar um leão por dia para chegar no fim do mês, podem nos fazer relativizar o comportamento dos nossos filhos, podem nos fazem querer crer que é a adolescência assim mesmo e perdemos o diálogo, a intimidade, a confiança.
Quem tem filho adolescente sabe que muitas vezes é difícil conseguir tirar 3 palavras deles, o dialogo nem sempre é fácil. Eles estão buscando autonomia, individualidade, independência, contestam tudo e, muitas vezes, esse comportamento esconde uma depressão que não conseguimos detectar.
Escrevo tudo isso só pra pedir, mães de adolescentes, por favor, conversem com seus filhos. Conversem sobre esse jogo, sobre a vida, sobre o seriado, sobre os casos de suicídio já noticiados no Brasil e no mundo. Conversem sobre o relacionamento de vocês, sobre a depressão, sobre suicídio e adolescentes, sobre estarem sempre abertos para ajudá-los.
Repensem a forma de repressão, porque quanto mais se reprime, mais eles tendem a fazer as coisas escondidas. Ensinem os limites, imponham respeito e exijam responsabilidade, mas, por favor, fiquemos todas mais atentas aos nossos adolescentes.
Vamos tentar nos colocar no lugar deles, nesse mundo tão diferente, tão exposto que eles vivem e que é tão distinto do que nós vivemos um dia. Não vamos cair na bobagem de dizer que eles precisam se comportar como nós na mesma época, porque são mundos intrinsecamente diferentes, realidades completamente distintas.
#adolescentesprecisamdeajuda
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