Padecendo pelo Mundo é uma coluna que mostra a vida de brasileiras que foram morar em outros países, hoje temos a história da Glenda Monteiro na Austrália. Ela foi para ficar por pouco tempo, mas está lá há anos.
Glenda Monteiro na Austrália
Meu nome é Glenda, moro em Perth, na Austrália há oito anos e sou mãe há 10 meses. Sou de Belo Horizonte e nunca tinha morado fora do Brasil até 2008, quando eu e meu marido resolvemos vir para a Austrália para aprender inglês por 6 meses.
Na época o Brasil estava bombando… Economia a todo vapor, salários aumentando como antes nunca tinha se visto, imóveis valorizando e nossa vida profissional de vento em popa.
Marido tinha uma ótimo emprego, mas tinha acabado de perder a maior e melhor chance profissional da vida, porque não sabia falar inglês. Eu também estava no meu melhor momento profissional, era autônoma e os negócios estavam indo super bem, estava começando a me preparar para engravidar, mas como sempre tive vontade de morar fora não pensei duas vezes quando o marido propôs de tirarmos estes 6 meses para estudar.
Os 6 meses se transformaram em 12 quando nos demos conta de que 6 era muito pouco para termos a fluência e desenvoltura na língua que gostaríamos. Mas algo muito maior aconteceu na nossa vida durante este tempo. As mudanças pelas quais passamos foram profundas demais e o medo de voltar para o Brasil e ser engolida pela correria do dia dia, somado a loucura do inconsciente coletivo ligado ao consumismo nos aterrorizava.
A Austrália nos mostrou novos valores, novas crenças, um novo estilo de vida baseado em qualidade de vida, na importância em se estar com a família, em aproveitar a vida e as pessoas que amamos. Nossas prioridades mudaram, nossos valores também.
Belo Horizonte x Perth
Enquanto estávamos em BH, cada um tinha o seu carro, tínhamos nossa casa paga em lugar privilegiado de BH, tínhamos uma pessoa super de confiança que tomava conta da nossa casa, saíamos todo final de semana e vivíamos uma vida feliz. Mas a realidade quando chegamos aqui foi bem diferente. Enfrentamos várias dificuldades no início, não falávamos a língua, trabalhávamos no que para o Brasil seria um “sub-emprego”, não conseguíamos nem alugar um apartamento para morar tamanha era a demanda do mercado imobiliário da época e a nossa falta de referência local dificultava ainda mais nossa chance de garantir um teto para morar, mas nada disso nunca nos fez sentir inferiorizados, nunca deixamos de ser respeitados por isso.
Não conhecíamos ninguém em Perth quando chegamos, não tínhamos nenhum amigo para nos guiar ou mostrar o caminho das pedras. Quebramos a cabeça várias vezes, mas estas dificuldades nos tornaram mais fortes. Aprendemos a buscar informações por nós mesmos, aprendemos a deixar o orgulho de lado e reconhecer que não sabíamos, aprendemos a ser humildes e a valorizar a companhia um do outro e as coisas simples da vida. Nossas bicicletas de segunda mão eram nosso meio de transporte, nosso visto só nos permitia trabalhar 20 horas por semana, mas mesmo assim não desistimos. Abraçamos a experiência e procuramos aproveitá-la intensamente. Encontramos amigos e hoje temos amizades espalhadas por todo o mundo, amigos de todas as religiões e com crenças bem diferentes das nossas. Fomos muito questionados pela nossa família e por nossos amigos no Brasil, ninguém entendia o porquê de termos largado nossa vida em BH para trás, bons empregos e por estarmos “nos sujeitando a trabalhar como faxineiros”. Temos um grande amigo que alguns anos depois chegou a confessar que ele nos julgava e achava que tínhamos virado hippies. Hoje ele é um dos maiores incentivadores para continuarmos nossa vida por aqui.
Quando decidimos estender nosso visto por mais 6 meses e falamos pela primeira vez na nossa volta para o Brasil, fui tomada por uma angústia muito grande. Eu tinha mudado demais, nossa vida como casal tinha mudado demais, mudado para melhor, aqui descobrimos que não precisávamos de rótulos, não precisávamos ter ou seguir um determinado padrão. Éramos estudantes, morávamos em um apto minúsculo, mal decorado e velho, mas descobrimos um ao outro, descobrimos que o que tínhamos como marido e mulher era algo muito maior do que o amor que nos uniu e que foi selado pelo padre no dia do nosso casamento, agora éramos melhores amigos. A vulnerabilidade em que nos encontramos aqui mostrou um ao outro quem éramos de verdade. A falta de vaidade muitas vezes reforçou a razão pela qual estávamos juntos e nos mostrou que não era uma unha bem feita, uma depilação em dia e um cabelo impecável que fazia um casamento durar e perdurar, mas sim o carinho e a cumplicidade que tínhamos um pelo o outro.
A Saudade
Dizer que estes 8 anos foram ou são fáceis, seria mentira. Hoje em dia, somos cidadãos australianos, temos casa própria, estamos passando pela melhor fase profissional da nossa vida, temos uma filha linda, esperta e que amamos mais do que tudo nesta vida, mas passamos por muitos apertos. Começamos nossa vida profissional esvaziando lixeiras em escritórios, mas hoje quando olhamos para trás e vemos tudo o que conquistamos a sensação é de vitória, de gratidão por tudo o que conquistamos, não materialmente mas pessoalmente e como família. E são estes fatores que eu carrego comigo quando a saudade faz doer a alma e o coração.

A vida não é fácil, mas a gente aprende a ver o lado positivo de tudo. Sinto como se o inconsciente coletivo aqui fosse mais feliz. Sei que nada adianta eu ficar reclamando que preciso arrumar a casa, lavar, passar, trabalhar em tempo integral, cuidar de uma bebê de 10 meses, isso não muda minha realidade, pois continuo tendo que levantar todos os dias mesmo depois de uma noite mal dormida, cuidar da casa, trabalhar de 8 às 16:30 pegar a Leticia na escolinha, arrumar a casa, dar comida, banho, amamentar, colocar para dormir e fazer as tarefas da casa enquanto ela dorme. A diferença é que aqui temos que contar um com o outro para tudo. Marido TEM que ajudar nas tarefas de casa, TEM que participar integralmente do cuidado da nossa filha, as tarefas do lar são divididas e as tarefas ligadas a nossa família também. E como minha avó já dizia, parece que carro apertado é que canta mais, pois conseguimos fazer tudo isso e ainda ter tempo para brincar com nossa filha e curtir nossa vida a dois.
Nem tudo são mil maravilhas
Não, isso não é um comercial de margarina. Não, nem tudo são mil maravilhas. Tem dia que o que eu mais quero é o colo da minha mãe. Tem dia que tenho vontade de parar o mundo para que eu possa descer. Tem dia que a saudade dói na alma e o peito chegar a doer. Tem dia que só de ouvir o sotaque belohorizontino do Rogério Flausino não consigo conter meu choro (meio patético, mas é verdade). Tem dia que ignoro ligação do WhatsApp ou do Skype porque tenho medo de não conter meu choro. Mas aprendi que tudo na vida é uma questão de perspectiva e de escolhas. Somos nós que temos o poder de escolher como vamos encarar a realidade a nossa frente. Hoje, quando coloco na balança as perdas e ganhos por estarmos tão longe, chego a conclusão que mesmo estando tão distante geograficamente da nossa família no Brasil, a qualidade do nosso relacionamento familiar é infinitamente melhor. Graças a tecnologia, Letícia tem contato com os avós e com nossa família praticamente diariamente e este contato é leve, é intenso, é recheado de saudade e sempre tem aquele sentimento gostoso da expectativa do reencontro.
Hoje, nossa preocupação com a Leticia é fazer com que ela cresça como uma pessoa do bem, cidadã do mundo, consciente das pessoas ao seu redor, que respeita opiniões e culturas diferentes da nossa, e que coloca o ser humano muito a frente de coisas materiais. Temos orgulho da nossa história, das nossas dificuldades e queremos que ela aprenda a dar valor a tudo que tem inclusive o privilégio de viver em uma das 10 melhores cidades do mundo. Nada veio de graça, nada foi sem esforço e queremos que ela entenda e saiba que a vida é assim, cheia de altos e baixos, mas que a escolha é sempre nossa e que cabe a nós mesmos tornar este mundo um lugar melhor para se viver.
Com amor,
Glenda
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