Ele chegou ao fim. 2014 não foi fácil para muitas de nós.Fora da zona de conforto. Li nas timelines de diversas pessoas uma torcida organizada para que o ano de 2015 acabasse. E eu, assim como muitas amigas, colegas, conhecidas presencial ou virtualmente, posso dizer ufa, “game is over”! Quantas vidas vou ganhar por ter sobrevivido bravamente?
É fora da zona de conforto que se dá a vida
Paula de Carvalho Moreno
Exageros à parte, comecei o ano sonhando com as nossas merecidas férias que seriam na terceira semana de janeiro. Na véspera da viagem, meu marido me liga, dizendo que seria afastado do cargo que ocupava na época, continuaria na empresa, mas sem função definida. Sem função? Me calei diante da notícia, preferi acreditar que a partir deste tombo, levantaríamos melhores. Vamos ver pelo lado positivo, o copo cheio, Poliana talvez.
Desligamento
Viajamos, ele com a cabeça nas nuvens, eu com um olho no volante outro na estrada. Foi tenso no início, depois revigorante, mar, sol, praia, família. De volta à rotina, por duas semanas ele frequentou a empresa sem ter o que fazer, gerenciava cerca de 600 empregados diretos, mais do dobro de indiretos, bilhões em contratos, trabalhava de sol a sol incansavelmente. O celular, o e-mail, as mensagens e as pessoas que estavam por trás disso se calaram. Depois desse período, ele foi desligado, chegaram a conclusão que não tinha mais lugar pra ele na empresa. Foi um baque e junto com ele vieram as consequências na saúde: hipertensão, desequilíbrio hormonal, estresse, depressão, obesidade, pedra na vesícula foram alguns dos sintomas diagnosticados e tratados.
Alimentação
Em paralelo, nossa filha de dois anos não conseguia fazer a transição da papinha para a comida. Deveria almoçar na escola, mas não comia. Passada a fase de adaptação no início do ano, a coordenadora me chamou para dizer que se minha filha não almoçasse não poderia mais ficar em horário integral. A escola não pode ficar com uma criança que não come, disse ela. Recomendou a busca de ajuda e também se dispôs a ajudar. Busquei todo o reforço que podia. Fonoaudióloga, psicóloga, pedagoga, as professoras, a tia avó, meu marido e eu atuamos como equipe. Com tempo, paciência e dedicação, o pai passou a almoçar com a filha na escola. Eu saía às 7:15 horas, voltava às 19:15 horas, não tinha como acompanhar a alimentação dela. Café da manhã era no carro, almoço era na escola, jantar era na escola ou em casa com a tia avó. Eu sempre chegava depois. E o pai, até sair do emprego, depois ainda.
O acompanhamento do pai mudou o comportamento alimentar da filha.
Mastigação
Primeiro resolvemos a questão da mastigação. Ela tinha pavor de mastigar, medo de pedaços de comida, aflição de colocar qualquer coisa nova na boca. Ela mesmo dizia, “não como, não gosto, não sei comer, não quero, vou engasgar”. O distúrbio alimentar foi ficando cada dia mais sério e nós não fomos percebendo. Nós falávamos sobre isso, ela repetia e, a cada dia, as palavras influenciavam e reforçavam a realidade.
Superproteção, terceirização e exemplo
Fazendo uma retrospectiva sobre o que pode ter nos levado a essa situação, minha conclusão é que demoramos demais para fazer a transição da comida pastosa para a mais sólida, a superprotegemos com medo do engasgo, não deixamos ela se sujar, experimentar, ousar comer uma banana com as próprias mãos. E, além disso, os pais trabalhavam o dia todo, e depois que chegavam ainda ficavam no telefone, no notebook e trabalhavam aos fins de semana, sempre que as empresas demandavam. Não dividíamos uma refeição. Terceirizamos a alimentação dela. Sempre comíamos correndo durante a semana. Não dávamos importância. Nos finais de semana, acabávamos comendo mais tarde que ela, depois que já tivesse comido ou que já tivesse dormido. Apesar de adoramos comer bem, estávamos tão exaustos com a rotina de trabalho que deixamos de nos alimentas por prazer, passou a ser obrigação. Não havia exemplo a ser seguido pela minha filha. Eu tomava café em pé ou não tomava. No fim de semana, almoçava enquanto ela brincava, jantava, enquanto ela dormia. Um caos.
Tratamento
O tratamento para ela aprender a mastigar um ano depois do considerado “normal” foi doído. Ela ia para o consultório da fono, meu marido ficava esperando, ela chorava, vomitava, chorava e vomitava a comida toda. Ele me ligava contando e eu desabava a chorar. Aos poucos, ela foi aprendendo e diminuindo o vômito e aumentando a mastigação e a deglutição.
O segundo ponto foi psicológico. Ela precisava acreditar que podia mastigar, podia experimentar, que comer é bom, é gostoso, é prazeroso. A Tati, da empresa Bem Família, me ajudou a incentivá-la, a cozinhar com ela e para ela, a levá-la às compras, a contar histórias, a buscar o lúdico como pano de fundo. Aos poucos, fomos reaprendendo.
Minha terapeuta um dia me disse que quando começou sua carreira o seu desafio era encorajar as mulheres a dirigirem sozinhas, a assinar um cheque, a estudarem, a trabalharem, a serem independentes. Hoje, cerca de trinta anos depois, o seu desafio é ajudar suas pacientes a se reconectarem com suas raízes, com sua família, com a cozinha, com os alimentos, com os filhos, a compartilharem, a serem interdependentes e não só independentes. É ensiná-las o quanto é bom fazer um bolo e servir com uma bebida quente, sentar em torno da mesa e conversar, dividir a vida, os planos, os sonhos.
Maternidade e vida profissional
Não há nada de errado, muito menos de fútil em cuidar do filhos e da família. Entendi que o recado para mim era: conecte-se com o que realmente importa para você. Não precisa ser exclusivamente dona de casa ou profissional. Pode-se buscar o equilíbrio e ser os dois. Mas, não deixe sua família de lado. O que você está pretendendo com isso?
A questão é que não estava conseguindo ser os dois. Pior que isso, não estava sendo nem um, nem outro. Eu me senti exausta e rabugenta durante boa parte deste ano. Foi então que juntamos todos os caquinhos e decidimos mudar. Paramos de perguntar por que estamos vivendo assim e passamos a perguntar para que e como queremos viver. E fomos construindo as respostas. Parei um tempo com o trabalho para poder repensar a carreira, tentar estudar novamente e, principalmente, ter o privilégio de gozar alguns bons meses de “férias” ao lado da minha filha. Fui promovida de “mãe-de-fim-de-semana” a “mãe full time”. Depois de muitos anos de trabalho, decidimos quebrar paradigmas, mudar o modelo mental e buscar algo novo, que nos proporcionasse tempo de qualidade para apoiar o desenvolvimento da pessoa mais importante da nossa vida.
Resultados
Um dos resultados é que minha filha comia apenas 12 alimentos diferentes em setembro. Hoje, come 25 alimentos diferentes.
Ainda temos um longo caminho em relação à alimentação dela. Mas, em três meses que estamos vivendo uma nova rotina, ela já experimentou muita coisa nova, ela se permite, está mais confiante, mais alegre, mais disposta.
Temos que agradecer aos que nos empurraram para fora da nossa zona de conforto e aos que nos apoiaram para buscarmos um mundo novo e cheio possibilidades.
Estamos de pé. Nosso coração pulsa. Nossos olhas brilham em busca do belo, do desconhecido, do emocionante e, principalmente, do que nos faz feliz.
Meu agradecimento especial à Carla Menezes, Tatiana Bem Família Consultoria em Desenvolvimento Infantil, Adriana Fantoni, Jaqueline Oliveira, às amigas do Padecendo e a todos que nos querem bem.