A famosa frase de Guimarães Rosa bem que poderia descrever nossa vida de mãe. Quando as cólicas vão embora e você respira, vêm os dentes. Quando suas costas estão ardendo de andar dobrada, segurando pelas mãozinhas um pequeno que quer caminhar, eles começam a correr e por aí vai. Nasceu o segundo filho, nasceu uma nova mãe.
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” – Guimarães Rosa
Nasceu o segundo filho, nasceu uma nova mãe
Mas com um filho só eu não sabia que fases mais e menos difíceis vem e vão. Eu só sofria. E chorava. E desesperava, descabelava e matava o primeiro que se atrevesse a perguntar: “E o irmãozinho”? Que ódio, gente. A pessoa devia dormir a noite toda, conseguia ir ao banheiro sem companhia, passava condicionador com calma no cabelo, fazia ginástica, unha, massagem, enfim, tinha aquela vida ‘dos sonhos’ e ficava querendo me jogar na piscina de água fria de novo?
Por isso que até o Miguel completar 1 ano jamais passou pela cabeça ter outro filho. Meu parto foi de urgência e prematuro (descobri durante um ultrassom que não havia mais líquido amniótico); ele nasceu PIG (pequeno para idade gestacional) e mamava com dificuldade (qualquer grama era comemorada), ele teve cólica até os 4 meses, refluxo, intolerância à lactose, 6 dentes nasceram antes de 1 ano… e acordava de 3h em 3h para mamar. Ou seja, fiquei traumatizada. Não conseguia enxergar o lado bom. Pensar em outro filho era pensar nesses desafios todos de novo e o quanto me desesperei com eles.
Por volta de 1 ano e meio, quando as coisas foram esfriando, tudo se encaixando e a vida seguindo sem tantos atropelos, começou a dar uma vontade de viver tudo de novo. Sim, eu queria outra barrigona, queria amamentar, queria dar banho na banheira, enfim, queria um bebezinho de novo. Um serzinho completamente dependente de mim. Alguém que me desse aquele sorriso banguela, que se acalmasse só de ouvir minha voz, que segurasse meu dedo com uma força impressionante. Queria ser mãe outra vez.
Outros motivos me levaram a querer outro filho também:
- vontade de ver a casa cheia;
- oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de outra pessoa;
- de ensinar, educar, rir e chorar com esse pequenino;
- de dar a oportunidade ao Miguel de ter um companheirão (dar a oportunidade, porque na prática, ninguém garante que eles serão os melhores amigos do mundo);
- de deixar mais uma semente.
Mas e viver tudo aquilo de novo? Eu estaria preparada? É aí que entra a coragem. De recomeçar. De tentar fazer diferente o que deu errado, de errar por outras coisas… Eu imaginava que, pela segunda vez, as novidades seriam poucas. O básico eu conhecia. E o mais importante: que tudo passa. A tal da experiência ajuda muito. O problema era convencer o marido, ainda traumatizado. E aí o argumento era que eu estava mais calma, que eu não xingar nem ameaçar bater (a louca), que não viveria chorando, desesperada diante do primeiro choro.
Quando Miguel fez exatamente 2 anos, engravidei de novo. Descobri logo que seria outro menino. Os 9 meses voaram. A gente tem menos frescura, menos tempo de cuidar da gente como na primeira, o enxoval e decoração de quarto foram herdados (comprei poucas coisas, mais por insistência da minha segunda irmã que reclama que só os primogênitos ganham coisas novas.) e, no dia 12 de abril nasceu o segundo filho, nasceu o Pedro.
Nasceu o segundo filho
E se mãe já não tem tempo com um filho, com dois então… quando o Miguel tira o cochilo da tarde, era meu momento para fazer qualquer coisa que quisesse. Com dois isso acabou. Por enquanto, as sonecas do Pedro não coincidem com esse soninho do Miguel. Lá se foram minhas preciosas duas horas. Até dá pra fazer alguma coisa enquanto Pedro se distrai um pouco no carrinho, mas é rápido.
E aí veio a novidade: nasceu uma nova mãe. Mais calma, mais tranquila diante dos choros, aflições, sem tanto medo de errar, mais confiante. O roteiro era praticamente o mesmo: mamar, arrotar, dar banho, virar zumbi… mas se antes eu ficava resmungando a madrugada inteira que queria dormir, dessa vez eu agarrava aquele banguela e pensava: vai passar. É óbvio que tive nem tudo é um mar de rosas. Estaria mentindo.
Lá pelo segundo mês, quando eu não tinha mais forças para manter os olhos abertos na madrugada, com medo dele escorrer dos meus braços, pedindo forças a Deus, quase chorando de tanto sono (como eles choram quando querem dormir e não conseguem), ele começou a sorrir. Aquele sorriso banguela na madrugada era um alento, era a vida afrouxando de novo a corda. O tempo do casal então nem se fala. Antes dependia apenas de um dormir pra que eu e meu marido pudéssemos conversar, namorar… agora depende dos dois estarem apagados. E quando isso acontece, eu já estou quase sempre destruída de cansaço. Fazer algum programa à sós bastava combinar com minha mãe. Agora preciso combinar com ela e alguma irmã, já que mamãe não aguenta os dois ao mesmo tempo. Com isso, a probabilidade de sair diminui drasticamente…
A diferença é que agora não sofro.
Nasceu o segundo filho. Sei que é uma fase. Daqui a pouco eles estarão maiores. Vou sair, viajar… por enquanto, vou fazendo o que dá. Porque dessa vez eu não tento bancar a foda, a super mãe, a que dá conta de tudo. Impossível trabalhar fora, cuidar de casa e de dois filhos sozinha. EU preciso de ajuda e admiro muito as que tem essa jornada no trabalho e em casa. Quando era só o Miguel, eu tinha faxineira duas vezes na semana. E me virava, revirava e surtava no fim do dia. Hoje tenho uma empregada durante a semana. Sem a Maria, ninguém comeria ou teria roupas limpas.
E o lado bom dessa história? Ah, isso todas vocês tem a prova diariamente em casa. Pra mim, é um presente duplo: dois sorrisos, duas gargalhadas, duas maneiras diferentes de se comportar, de reagir… duas pessoinhas pelas quais luto e amo mais a cada segundo. São dois corações do lado de fora do peito. E a certeza de que ter tido coragem foi a melhor coisa que fiz no mundo. Porque se parece apertado num momento, daqui a pouquinho relaxa de novo…
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