História das Padês é uma coluna onde publicamos histórias de vida, a vida como ela é. Esse texto é da Juliana Ramirez que conta sobre o câncer de ovário da sua irmã, quando o amor e a dor deram as mãos.
Câncer de ovário – O amor e a dor deram as mãos
Por Juliana Ramirez
A diferença de idade entre eu e minha irmã é de um ano e meio. Minha mãe conta que quando chegou comigo recém-nascida, minha irmã estendeu os braços para me receber. Tivemos uma infância normal, sempre fomos muito amigas e inimigas (claro!). Eu, desde pequena, falava que quando eu me casasse, os filhos dela seriam meus pajens. Na adolescência nos afastamos um pouco, ela namorou sério desde os 14 anos e eu na gandaia.
Quando ela começou um novo namoro, eu também comecei a namorar, aí a gente já estava com 20 e 21 anos. Voltamos a ter um relacionamento mais próximo.
Ela se casou em novembro de 2002 e eu em outubro de 2003. No casamento dela, fui com ela a todos os lugares e ajudei em tudo! E ela se mudou para Brasília com o marido. No mesmo ano, meu noivo foi trabalhar também em Brasília e quase fui morar lá. Um mês antes do meu casamento, meu noivo conseguiu outro emprego, em Belo Horizonte. Ela só pode me ajudar mesmo, no dia do meu casamento. Fizemos juntas o dia da noiva, ela foi para o hotel para me ajudar a me aprontar, ficou do meu lado o tempo todo.
Câncer de ovário
Três meses após meu casamento, minha irmã começou a sentir dores muito fortes na região abdominal. Em Brasília, como dizem, o melhor hospital é a porta do avião. Pena que descobrimos isso muito tarde. Cinco meses depois ela foi diagnosticada (aqui em BH) com câncer de ovário, mas em estágio avançado, já com metástase no peritônio. Foi o caos. Sou péssima para dar notícias ruins e sobrou para eu contar para ela. Meus pais não tinham condições.
Os médicos diziam que ela teria no máximo três meses de vida. Isso fez com que ela tivesse muito mais garra por viver. Ela lutou muito. Antes da primeira cirurgia, que seria para retirada do útero e dos ovários, eu me ofereci como barriga de aluguel, caso ela quisesse congelar os óvulos. Mas ela disse que se Deus havia mandado isso para ela, ela acreditava que ela não deveria ter filhos.
Nós duas criamos uma relação muito forte, baseada na parte da vida. A gente decidiu que não ia viver a doença dela. Eu ia para Brasília para passar uma semana com ela de vez em quando, ela vinha muito para BH. Nisso, tivemos momentos de remissão do câncer de ovário, outros em que ele voltava agressivo… Ela passou por seis cirurgias e mais de 100 sessões de quimioterapia!
Com quatro anos de casada eu e meu marido resolvemos engravidar. Foram dois anos de tentativas, tratamentos e minha irmã cada vez mais doente. O médico que cuidava dela em São Paulo mandou que ela viesse se tratar aqui em BH, pois ela ficaria mais bem assistida. Na verdade ele queria que ela ficasse perto da família. Nenhum médico conseguia explicar como ela ainda estava viva.
Gravidez
Em maio de 2009, tive um aborto, mas em agosto consegui finalmente engravidar. Foi uma grande festa para minha família! Vivi uma gravidez deliciosa, sem nenhum susto, problemas, enjoos… Nada! Em janeiro de 2010 minha irmã começou a ter uma piora visível. Foi aí que realmente ela adoeceu. Começou a ter restrições para sair de casa, vivia cansada, sem energia e tinha restrições alimentares.
O João nasceu dia 04/05/2010 e ela assistiu ao parto – afinal ela era a madrinha dele! Carregou-o no colo, se emocionou comigo. E a cada dia que passava, ela piorava. Minha mãe foi heroína nessa hora. Ficava à noite comigo (combinamos que ela ficaria até o umbigo cair), e de dia cuidava da minha irmã. Coitada, virou um fiapo humano! Mas minha irmã falava: agora é a sua vez. Você precisa dela.
Tenho poucas (apenas três) fotos dela com o João. Ela não queria registros da sua magreza, sua palidez…
Internação
Quando o João tinha 23 dias, minha irmã precisou ser internada. Não tinha vaga em nenhum hospital em BH, então o médico a levou para o Hospital da Unimed de Betim. Eu levei uma semana para conseguir ir visitá-la, porque todos queriam me poupar. O quadro dela havia se agravado muito e aquela não seria uma internação como as outras, que ela sairia do hospital pronta para a próxima.
Deixei o João com minha sogra e fui vê-la. Quando cheguei ao hospital, não consegui nem falar. Precisei sair do quarto e chorei. Minha irmã estava realmente indo embora. Para mim era difícil demais visitá-la por causa do João. Eu estava amamentando e minha irmã me xingava todas as vezes que eu ia. “hospital não é lugar de mulher que está amamentando”. A última vez que eu a vi acordada foi no dia 17/06 quando fui passar meu aniversário ao lado dos meus pais e dela.
No dia 30 de manhã, minha mãe me ligou com um pedido:
”Preciso que você compre a blusa para enterrarmos sua irmã. Ela não passa dessa semana. Quero uma blusa rosa claro, de gola alta, de lã.”
Corri no shopping e achei exatamente o que minha mãe recomendou. À tarde fui para o hospital. Ela havia sido sedada para suportar as dores. E para ter um fim digno. Como foi sua vida durante o tratamento. Fui embora deixando meus pais sentados na cama em frente à maca, olhando por/para ela.
Ela partiu
À meia noite e dez do dia 01/07, meu pai ligou dizendo que ela havia partido.
Minhas amigas foram ficar comigo em casa. Eu estava meio anestesiada e envolvida com as coisas do João. Ser mãe dura 24 horas, não tem dia santo, não tem fim de semana, nem morte de irmã. Chorei muito, mas procurei não passar nada para o João. Pensava em outras coisas enquanto amamentava, enquanto cuidava dele.
Meus pais foram abraçar meu irmão no Canadá 15 dias depois. E eu fiquei sozinha com meu João. Meu marido, claro, me ajudou, me deu apoio… Segurou uma mega barra também. Todos tinham medo que eu tivesse depressão pós-parto.
Tia Cacá
Dizem que criança tem uma sensibilidade grande com o lado espiritual. Já aconteceram dois episódios que tenho certeza que minha irmã esteve com o João. Ele me contou que viu a “tia Cacá”, como ela gostava que as crianças a chamassem. Tenho certeza que ela olha por ele.
Hoje quem me ajuda a criar o João são meus pais. Ficam com ele para que eu possa trabalhar. Deixo com eles para que eles possam respirar. Sempre vejo os dois se emocionando com ele e tenho certeza que o coração fica apertado. Quantas vezes não quis ligar para ela para contar uma gracinha dele, dividir uma dúvida, falar bobagem. A gente tinha mania de comer brigadeiro assistindo sessão da tarde nas minhas férias (quando ela estava por aqui). Hoje não vejo a hora de fazer isso com o João.
Minha melhor amiga se foi e isso não é vaga que se ocupa. Tenho amigas maravilhosas, mas nenhuma tem a cumplicidade que um irmão tem com a gente. O João veio no momento certo. Ele nos dá a alegria para preencher o vazio que ficou.