Tenho um filho com alergia alimentar múltipla e cuido de sua alimentação pessoalmente. Consumimos pouquíssimos industrializados e me dedico a adaptar qualquer receita para que ele desfrute da mesma alegria que qualquer criança, nos ambientes sociais que envolvem alimentar-se junto. Se eu disser que é tranquilo, estarei mentindo. É trabalhoso, mas possível e gratificante como mãe.
O meu post de hoje tem o objetivo de propor uma reflexão sobre como esse trabalho de inclusão pode ser facilitado ou dificultado por outras mães. Entendo que somos todos seres humanos, nossa condição humana, implicitamente, prevê erros e acertos. Mas, penso que o conhecimento sobre o que há além dos nossos lares contribui para uma postura mais ética, generosa e inclusiva em todos os ambientes. Cada um carregando o seu tijolinho para construir a sociedade respeitosa e solidária que queremos para nossos filhos.
Na última segunda-feira, fui procurada pela mãe de uma coleguinha de sala do meu filho. Ela avisava que resolveu cantar parabéns, de última hora, para sua filha, na escola, no dia seguinte, e estava preocupada pelas restrições alimentares do meu filho. Senti nessa conversa todo o carinho dessa família conosco e prontamente me coloquei a fazer o “kit festa” dele, com minhas receitas e os alimentos permitidos para desfrutar desse momento especial com os amiguinhos!
Descrevi esse fato para contrastar com as duas experiências a seguir. Ontem, levei meu filho na escola, como fazemos sempre, com o lanche de costume. Algum tempo depois, recebi a ligação da coordenadora – por quem sinto uma imensa gratidão – informando que uma família levou brigadeiros para toda a turma, como despedida no último dia do semestre. Agradeci a atenção de terem retido os doces na coordenação até que resolvessem comigo a situação do meu filho. Interrompi o que estava fazendo, adaptei meus planos, agradeci a Deus por poder estar ali disponível e me coloquei a preparar brigadeiros, especiais pra ele. Entrega feita na escola, problema sanado. Retornei para minhas atividades, inclusive de preparar o almoço dele, já que, mesmo atrasada, não podemos recorrer a um self-service, ou industrializados que adiantam a vida das donas de casa em emergências. Não é um fardo realizar essas tarefas, descrevo apenas para terem uma dimensão de como um descuido provoca um “efeito borboleta” em famílias com restrição alimentar. Um pouco de correria, mas, no fim do almoço, estava tudo sob controle novamente. Preparamo-nos para uma consulta médica e um atendimento fonoaudiólogo durante a tarde.
Imaginem a minha surpresa, na sala de espera da fonoaudióloga, quando uma família simplesmente entra com um bolo coberto de chocolate e outros itens para uma festinha surpresa de uma criança com seus coleguinhas da clínica. Fiquei paralisada por alguns segundos, sem acreditar na situação que nos encontrávamos. Confirmei com a secretária e realmente haveria os parabéns com o bolinho. Um turbilhão de pensamentos e emoções tomou conta de mim. Tentava recordar se, porventura, havia, justamente nesse dia, algum bolinho dentro da mochila do meu filho, mas precisava agir rápido para evitar que ele passasse por aquele constrangimento e se frustrasse desnecessariamente. Pedi que o chamassem, para ser liberado mais cedo, mas as outras crianças já vinham das outras salas em clima de festa. Entrei no consultório para agilizar, despedi da profissional e o tomei em meu colo, saindo o mais rápido possível, tentando disfarçar o motivo da pressa e daquele aglomerado de crianças alegres e falantes na companhia de suas mães. No momento, não consigo descrever o que senti o carregando para fora de lá.
Um mesmo episódio pode ser analisado de muitas formas. Não tenho feito outra coisa mentalmente desde então, tentando entender e racionalizar minha angústia de mãe ao ver meu filho impedido de participar de algo tão gostoso na infância. Certamente, haverá aquelas que defenderão que ele precisa lidar com a diferença e com a frustração de apenas observar, sem desfrutar do que se come no momento. Para essas, digo que ele lida com a diferença todos os dias, durante todo o tempo. Desde o café da manhã, que não tem o mesmo pão do papai e da mamãe – mas tem o pão dele – passando pelo lanche da escola que recebe de casa – com as adaptações, mas resguardando semelhanças para vivenciar frutas e sucos com a turma – até nos almoços cotidianos ou em eventos, a marmita com o “kit festa” que é nossa rotina em qualquer comemoração. Enfim, ele sabe e lida todo o tempo com o fato de sua alimentação SER DIFERENTE. O que considero inadmissível é esperar que uma criança de 3 anos conseguisse compreender que, infelizmente, por ser diferente, não tem nada pra ele no momento e isso deve ser vivido como natural, parte das frustrações da vida.
Não, não concordo e tenho certeza que é possível viver com mais generosidade nos colocando no lugar do outro com mais frequência. Entendo as boas intenções das duas famílias, reconheço como surpresas felizes colorem nossa vida e até admiro as iniciativas de proporcionar algo simples, mas que toca o coração de todos. De todos mesmo.
Minha proposta se revela agora: tocar agradavelmente o coração de todos. Porque a surpresa da bandeja de brigadeiros quase se tornou uma surpresa desagradável para o meu filho. E aquele bolo com os parabéns tão espontâneo e improvisado na sala de espera também. Meu filho é alérgico alimentar, mas poderia ser diabético ou ter tantas outras restrições que inviabilizam sua inclusão nessas iniciativas “surpresa”.
Vamos refletir para quem é a surpresa nos três casos? Para as crianças. Para criar aquele ambiente gostoso de alegria por um “agradável imprevisto”. Seria possível informar discretamente aos adultos envolvidos para que estivessem preparados e tomassem alguma providência necessária? Sim.
Além das reflexões, deixo uma dica: se esforce para tornar a surpresa agradável a TODOS. Pode ser que nem sempre se consiga, mas faça a sua parte. Meu filho saiu “ileso emocionalmente” das três experiências. Mas a primeira delas confirma que seria possível viver as demais muito melhor com a colaboração das famílias e, principalmente, das mães. Antes de enviar uma “surpresa” para a escola, clínica, play, praça, parquinho, natação, etc procure saber se há crianças que precisam de cuidados especiais. É algo tão simples, tão banal e possível com bate papo informal. Mas, acima de tudo, é a tão discutida INCLUSÃO exercitada em cada família, e uma forma da mãe dar o seu exemplo.
Obrigada aos que leram até o fim. Estava inquieta, engasgada e precisava saber que fiz algo para que situações semelhantes aconteçam menos. Agora posso dormir. Agora conseguirei virar essa página e me preparar para um novo dia. Porque em uma hora meu filho acordará com suas energias renovadas!
São os pequenos e importantes detalhes que fazem a diferença para uma criança que necessita de um cuidado especial. Como adultos, temos a obrigação de facilitar a vida dessa e de outras pessoas na sua diferença. Não custa nada cuidar e observar o entorno, para proporcionar a igualdade de direitos!