Pense na nossa cultura machista, no machismo que está em todos os cantos e que a gente acha normal e nem nota.
Cena 1 – Durante um festival sertanejo, bêbada, talvez ‘maconhada’, a garota de 16 anos “agarrava vários meninos e enfiava a mão na calça deles esfregando o membro. Mesmo não sendo minha filha, me coloquei no lugar da mãe daquela menina. Eu chamei então uma pessoa do juizado de menores e (…) ela foi tirada do evento.”
Cena 2 – Michael Douglas (no papel de Tom Sanders ) é forçado a ter relações sexuais com Demmi Moore (interpretando Meredith) e, em virtude da recusa dele, ela ameaça destruí-lo na empresa. “Onde já se viu homem negar fogo para uma ninfomaníaca super poderosa e independente? Lógico que ela ia ficar com sangue no olho e sair atrás de uma vingança apostando que ninguém iria acreditar que o cara era inocente.” Michael decide ir à Justiça com a queixa de assédio sexual.
O que essas duas cenas tem em comum? A cultura machista, perversa tanto com meninos e meninas.
A primeira cena foi relatada por uma mãe do nosso grupo, em um post super polêmico, onde os 99 comentários serviram para defender a mulher e alertar para o fato de que a menina poderia estar pelada, bêbada e drogada que ninguém teria o direito de tocar nela e que precisamos educar nossos meninos para que não sejam abusadores.
Menino nunca é abusado. Precisa “pegar geral”
Mas, pera lá. E o menino que foi abusado por esta garota, que teve a intimidade invadida, com a menina enfiando a mão na calça dele ‘esfregando o membro’? Se a situação fosse inversa, o menino enfiando a mão na calça dela, estaria claramente definido o assédio sexual. Mas a menina fazer a mesma coisa não é assédio? O pior: se esse garoto reclamasse seria julgado por outras meninas e meninos de que não era macho, que estava reclamando da menina estar ‘dando em cima dele’.
Ora, é a mesma lógica da cena 2. Uma mulher obrigando um homem a ter relações sexuais e o comentário da página de cinéfilos reforçando a cultura machista: “Onde já se viu homem negar fogo para uma ninfomaníaca?” Ou seja, os homens são obrigados a ‘pegar geral’, ‘passar o rodo’, ‘comer aquela mulher que tá dando mole’ e por aí vai…
O número de meninos abusados é bastante subnotificado e está ligado à nossa cultura machista e patriarcal de considerar que essa situação para os meninos significaria a ‘perda’ de sua condição de homem. O caso de meninos assediados não vem à tona por conta do constrangimento em assumir que eles passaram por isso. Em uma entrevista à BBC Brasil, a psicóloga judiciária da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Irene Pires Antonio, que atende meninos e meninas que passaram por experiências de abuso sexual desde 2012, disse que “tanto os meninos quanto as meninas têm bastante dificuldade de falar sobre isso. Mas os meninos chegam aqui muito mais constrangidos, apreensivos. Vivemos em uma cultura que ‘homem não chora’ e ‘sabe se defender sozinho’. Admitir uma fraqueza é difícil.”
Cultura machista
Na raiz da dificuldade de um menino para relatar casos em que sofreram assédio ou abuso está o temor do preconceito que pode surgir quanto a sua orientação sexual, segundo os especialistas. “A pior condenação que um menino pode ter na sociedade machista em que vivemos é ser gay”, explica Flávio Debique, gerente técnico de proteção infantil da ONG Plan International Brasil, que lida com direitos das crianças. “Aqui o homem precisa ser ‘macho’. Então se ele for abusado por uma mulher e reclamar disso, será tachado de gay, e se for abusado por um homem e denunciar, também pode ser considerado gay.”
Por isso não se fala sobre violência contra meninos. Um levantamento do jornal O GLOBO divulgado no ano passado mostrou que esses casos são mais subnotificados ainda do que o de meninas. A análise das estatísticas produzidas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro sobre os casos de vítimas do sexo masculino revela semelhanças com os de meninas e mulheres: 57,9% dos 880 estupros de pessoas do sexo masculino foram praticados contra garotos de 0 a 11 anos. Se somada a faixa etária de 12 a 17 anos, o percentual salta para 78,6% dos casos.
E se um menino romper o silêncio, contar aos pais e eles decidirem denunciar? Ah, mães de meninos, se preparem porque o processo é ainda mais complexo. Enquanto meninas que sofrem crimes sexuais recorrem à Delegacia da Mulher (delegacia especializada para tratar casos de violência contra a mulher), em muitos lugares os meninos precisam ir a delegacias comuns para relatar os casos de abuso. Ou seja, o mesmo delegado que está ali ouvindo o caso de roubo, de assassinato, é o que vai ouvir o caso de abuso do seu filho. Em algumas cidades, existem Ambulatórios de Atendimento para Violência Sexual Contra a Mulher, mas quando a vítima é um menino, não há local específico para que ele possa fazer esse atendimento. Eu pelo menos não conheço em BH. Geralmente são ginecologistas atendendo, com macas ginecológicas. O lugar não é preparado para receber meninos.
Se a mulher aborda um homem, ainda que ele seja criança ou adolescente, espera-se que ele esteja pronto para isso. Como mãe de 2 meninos, eu espero não passar por isso. Não quero ver meu filho forçado a perder a virgindade com prostituta, não quero vê-lo nas festinhas obrigado a chegar em uma menina de que não goste porque ela está dando mole, não quero que ele não saiba dizer não. Da mesma forma como não quero ver mais e mais mulheres sendo vítimas de abusos, estupros ou qualquer violência diariamente. Eu fui vítima de um tio pedófilo durante anos na infância e não gostaria que ninguém passasse por isso. Marcas que carregarei até à morte.
É preciso acabar com essa cultura machista, grande vilã na maior parte dos casos de assédio ou abuso sexual de crianças porque é ela que estabelece o “poder” do homem com relação à mulher e que determina que o homem não pode assumir a condição de vítima, ele precisa ser “durão”.
É preciso dar mais peso ao ensino de igualdade de gênero. Tudo começa na forma como a gente assume o que é ser homem e o que é ser mulher, as desvantagens que as meninas têm e as aparentes vantagens que os homens têm. As desigualdades de gênero afetam as pessoas de maneira diferente, mas todos saem perdendo. Mulher. Homem. Gay. Lésbica. Transexual. Bi. Transgênero.
Mais amor, mais compaixão, amigas mães.