27 de junho de 2018
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Aborto de repetição – Carta para uma bebê arco íris

Filha, assim como seu irmão, você é um bebê arco íris. Isso significa que vocês dois vieram depois de perdas, 3 pra ser exata, e são minha resposta de amor após a tempestade. O nome clínico pra o que aconteceu com a mamãe é aborto de repetição e a nossa sociedade não tem muito acolhimento para com mulheres que passam pelo que eu passei. Sei disso porque as 3 vezes em que isso aconteceu busquei amparo social, médico e religioso e recebi desdém.

Aborto de repetição

Descobri que ao perder um bebê com menos de 12 semanas eu não teria direito a uma licença para meu luto. Ouvi médicos dizerem que antes de 12 semanas você nem está tecnicamente grávida de verdade. Pois é um embrião e não um feto. Descobri que o aconselhamento religioso era que eu nem nomeasse esses bebês. Descobri que não há um sacramento, uma cerimônia, uma despedida, uma reza, uma orientação. Seus 3 irmãos partiram sem chegar, sem documento, sem despedida, sem padrinhos na Igreja, sem bençãos, sem registros, sem existir.

Carta para uma bebê arco íris

Filha, nossos corpos são desconhecidos da ciência. Nos dizem que toda vida importa mas quando perdemos uma gestação com menos de 12 semanas a orientação clínica é que se espere pela 3a. repetição disso para investigar o motivo. Isso mesmo, antes de 3 abortos não se deve gastar o dinheiro do plano e do contribuinte com exames. E isso faz com que mulheres que sofrem de infertilidade, como eu, vejam mais outras duas perspectivas de gestação não se concretizarem antes de ter direito a conversar sobre uma resposta.

E eu estou te contando tudo isso porque nesse momento estão mentindo sobre nós. Só hoje vi 3 vídeos propagando como é um aborto de 9 semanas dizendo mentiras. Eu tive aborto de repetição, foram 3 abortos desse tipo e sei como eles se parecem graficamente, nenhum vídeo vai conseguir me enganar. Vi também religiosos, os mesmos que negaram bençãos para seus irmãos, chamando de assassinas mulheres que abortem antes de 12 semanas. E médicos, os mesmos que negam atendimento antes de 3 abortamentos, dizendo que têm direito a não atender mulheres que abortem pois acreditam na vida.

Hipocrisia

Filha, o nome disso é hipocrisia. É uma hipocrisia que existe para legislar e controlar nossos corpos.

Enquanto mulher, e mãe de uma mulher, eu quero te prometer que vou sempre me posicionar pra que essa hipocrisia acabe.

Filha, eu sou cristã e eu acho que nunca abortaria. Por mim, que Deus abençoe nossa família com mais filhos ainda. Mas a verdade é que temos uma família estruturada. Eu nunca corri risco de vida enquanto gestando. Eu nunca gestei um filho indesejado. Eu nunca carreguei o fruto de uma violência. Eu nunca tive meu futuro comprometido por caminhos que não escolhi. Eu não posso falar com certeza sobre decisões que não precisei tomar. E você é uma mulher que vai poder escolher seus caminhos e eu não sei onde eles vão te levar. Eu vou pedir a Deus todos os dias que proteja você e que nada te leve a tomar essa decisão dolorosa, desumana. Ninguém é a favor do aborto, filha. Mas se um dia a gente der esse azar, eu espero que você tenha atendimento médico e psicológico legal, seguro e humanizado.

E se alguém tentar te atacar por defender seu próprio corpo, filha, lembre disso: seus irmãos não tiveram nomes, documentos, sacramentos. Não é sobre a vida, filha. É sobre nossos corpos. E ninguém além de Deus deveria poder julgar o que fazemos ou não com eles.

Seja dona de si mesma e tenha empatia pelas suas irmãs e as respostas vão aparecer pra você. O lado que usa mentiras pra convencer nunca compensa.

Debora Camargo

30 anos, mãe da Memel e do Victor, cristã, feminista e escritora. Gosto de coisas bonitas e de conversar sobre onde a maternidade, a autoestima e a felicidade se encontram no Instagram @adebsescreve.

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27 de junho de 2018
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Duas perdas. Duas mulheres.

Dois abortos. Duas perdas. Duas mulheres. Dois pesos. Duas medidas.

Duas mulheres

Ela estava na maca ao meu lado.

Eu tinha 28 anos, casada, engravidei tomando pílula, sem planejar, gravidez tubária, perdi o bebê. Fui operada.

Ela tinha 16, engravidou do primeiro namorado. Tentou abortar em casa.

Eu fui operada às pressas porque a trompa rasgou. Hemorragia interna.

Ela foi operada às pressas porque o cabide que ela usou no momento de desespero perfurou o útero. Hemorragia severa.

Eu tinha minha família me apoiando, meu marido na sala de espera.

Ela tinha um namorado de 19 anos que a ajudou pesquisando como fazer aborto em casa e no procedimento.

Duas perdas

Eu senti a dor de perder um bebê e a dor física de toda a situação.

Ela sentiu desespero, medo, dor, arrependimento, culpa, julgamento e mais dor.

Eu estava tranquila, medicada para a dor física e de roupa limpas.

Ela estava coberta de sangue, pingava da maca. Ela estava desesperada, tentava justificar em meio a lágrimas que achou que o pai ia matá-la, e que ela estava perdida e não pensou direito… Ela implorava por medicamento para dor.

Dois pesos

Eu fui bem tratada durante todo o processo, as enfermeiras me falaram que eu teria outro bebê em breve, uma ficou fazendo carinho no meu cabelo enquanto eu aguardava no pós operatório. Fui muito bem acolhida, me cobriram porque a anestesia me fez sentir frio.

Ela ouviu que colheu o que plantou. Ela foi julgada por todos ali. Ouvi dizerem, para ela ouvir, que ela estava merecendo aquela dor, que deu sorte de não morrer! A enfermeira só levou o cobertor para ela quando eu pedi pelo amor de Deus! Ela tremia muito!

Foram duas perdas. Eu senti a dor dela ali, mais forte que a minha. A dor na alma dela, a dor que vinha junto com mil sentimentos, aos 16! A dor que extrapolava o coração dela e atingia também o meu!! Pude sentir a agonia dela! Chorei pelo meu bebê, e chorei por ela, com ela!

Uma menina, desesperada, achou que não tinha opção! Uma menina ali jogada e sendo julgada por diversas mulheres, que talvez, quando meninas, se tivessem engravidado, fariam o mesmo diante da pressão de um namorado. Ou não. Não importa. O que importa é que não precisa ser como foi!

Ao invés de quase morrer, ela poderia ter tido atendimento, aconselhamento, acolhimento! Talvez ela desistisse do aborto. Talvez ela fosse em frente. Também não importa! O que importa é que não precisa ser como foi!

Descriminalizar é evitar que seja assim para nossas filhas, para qualquer menina, para qualquer mulher!

Muitas outras mulheres sofrem muito mais. A menina tinha plano de saúde e teve assistência, outras milhares sangram até a morte. Mas o rosto dela e seu gemido de agonia estão na minha memória para sempre, por isso quis dividir essa história com vocês!
Empatia é amor!
É o amor que nos une!

Mariana S. L. De Paula

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