Quando eu era apenas uma estudante universitária, nunca imaginei que viveria o Liberalismo e o Socialismo dentro da minha casa. Mas, diariamente, as teorias sobre mercado e economia são aplicadas no ringue de MMA caseiro, a briga de irmãos, no qual me revezo no papel de juíza ou espectadora.
A prática das teorias econômicas na minha casa
Eu ficava intrigada na aula de Economia com a teoria de Adam Smith. O cara imaginou, lá em 1776, que se o mercado fosse deixado em paz pelos governos ele se manteria sempre em equilíbrio. O maior obstáculo ao progresso econômico seria o intervencionismo do Estado na Economia. Ou seja, para ele, existiria uma “mão invisível” que auto-regularia o mercado.
E quando meu segundo filho nasceu, eu, sempre da linha liberalista, achei que papai Smith tava certo. E fui confiando na mão invisível. O Miguel, mais velho, dava um ‘pedala’ na nuca do bebê; depois puxava a ‘perna’ quando Pedro começou a engatinhar ou simplesmente ria dos tombos que o caçula arriscava ao aprender a andar. E eu lá, só observando o mercado.
Briga de irmãos
Aí Pedroca cresceu e, como nunca foi ‘Pedrinho’ (pelo porte avantajado), começou a disputar o mercado com unhas e dentes. E o mercado pode ser qualquer coisa: o boneco, o lugar na mesa, no colo, o biscoito, a ordem da fila para o banho… a disputa nunca tem fim. Parece aquela bolsa de valores: todo mundo gritando, oferecendo ações…e eu adotando a teoria _ não da mão, mas já do corpo inteiro invisível_, crendo realmente que, sem intervenção materna, as coisas iam se regular por conta própria. Os negociadores iam chegar a um lugar-comum, pensando no bem de todos e na felicidade geral da nação.
Coitada.
Vi nascer a selvageria capitalista. Quanto mais velhos, maior a concentração de testosterona: o mercado virou olho por olho e dente por dente. O mais velho provoca:
“Você está barrigudo”.
O caçula retruca dizendo que ele é que está banguelo. Um sai da mesa para ir ao banheiro. O outro aproveita para comer o prato do irmão. Um chora porque ganhou no amigo oculto da escola um bingo. O outro joga na cara que as cartinhas de Pokemon que recebeu são mais legais. Um sobe a escada da piscina e deixa o pé pra trás pro irmão cair na água de novo. O outro acerta água no olho do maior e foge. Um pega o boneco do outro e estraga. Aí tem revanche com o DVD do videogame arranhado.
Regular a zona
Aí tive que dar a mão a palmatória aos críticos do papai Smith: se as bases do capitalismo estão assentadas na acumulação da riqueza e na propriedade privada… ah, óbvio que isso não funcionaria lá em casa.
Antes que minhas mini-empresas fossem à bancarrota, era hora de aparecer. Era hora do Estado regular aquela zona. Porque todos os conflitos, por mais que eu tentasse ser invisível, acabavam chegando até mim (mesmo eu debaixo do chuveiro!). Julgamento de quem estava errado, quem devolveria o brinquedo, quem ficaria de castigo…
Como a luta de classes tava no grau máximo, adotei o Socialismo. Esse conflito permanente entre exploradores e explorados seria resolvido com minha intervenção. O problema é que eles se revezam nestes papéis.
E aí mora outra questão: descobrir, no meio da confusão, quem está dominando quem. Como muitas vezes não consigo descobrir, a sanção vai para todo mundo. O justo pagando pelo pecador. E aí vem a consciência pesando de que Eu-Estado não atuei direito, criei mais revolta e novas revoluções vão surgir.
Dilema de consciência
Nesse dilema de consciência, ouço os experientes. E descubro que na casa das amigas-mães- que-padecem-com-briga-de-irmãos, a situação é a mesma. Se vou escutar meu oráculo mor, minha mãe, chego à conclusão de que ela vivia na era dos primatas, porque os conflitos entre meus 12 tios eram de tirar sangue.
Assim como no mercado existem ciclos econômicos, divididos nas fases do boom, da recessão, da depressão e da recuperação, lá em casa as flutuações também acontecem. Mesmo no meu sistema socialista. Só que a alternância desses períodos, que no mercado são anos, rola no mesmo dia, ou melhor na mesma hora. Pensando bem, se fosse só crise não haveria gente trabalhando na bolsa ou mãe arrumando mais filhos. Tem que ter algum lucro nessa história.
Momentos apaixonantes
Isso significa que há momentos apaixonantes. Um acorda procurando o outro; se ganha alguma coisa pergunta se tem para o irmão; corre para contar a novidade primeiro para o companheiro de quarto; dão risadas que, juntas, viram gargalhadas deliciosas; imaginam loucuras _ boas e ruins_ como numa quadrilha ‘bem’ organizada, tipo essas que estouram caixas eletrônicos… momentos que te fazem ter certeza que colocar mais uma pessoinha na Terra valeu a pena. E me fazem até acreditar, do fundo do coração, que um dia, assim como Marx e Engels afirmaram que o socialismo seria apenas uma etapa intermediária pra se alcançar a sociedade comunista, que representaria o “momento máximo da evolução histórica do homem”, onde já não haveria sociedade dividida em classes, propriedade privada, Estado, chegando-se a mais completa igualdade entre os homens… lembro que isso nunca deu certo na história da humanidade!
Aí respiro fundo e volto para meu estado socialista, tentando descobrir onde, quando e porquê intervir no meu mercado infantil.