As roupas que usamos são uma forma de expressão, de mostrarmos nossa personalidade e, às vezes, a gente precisa de um reencontro com o nosso “eu” perdido.
Sempre tive uma certa dificuldade para me vestir, minha mãe tinha medo de ter filha, queria logo um homem, para não ter esses problemas com babados e fru-frus. Teve logo duas meninas, só o terceiro veio macho. Duas filhas, um ano e onze meses de diferença, vestidas como gêmeas, dois pares de jarras.
Penamos na adolescência, era preciso criarmos nossas identidades, definirmos nossos estilos. Minha mãe tinha dificuldade pra nos orientar, não tinha segurança. Cada uma foi pra um lado, extremos. Eu, uma maluca revoltada. Ela, patricinha engomadinha. Mas, ainda assim, na falta de grana dividíamos o guarda-roupas, trocávamos peças e conseguíamos ter nossos estilos.
Aos 17 anos, mudando de colégio depois de tomar a segunda bomba, no meio de uma crise, com direito a morte do meu avô e falência da empresa da família. Nem pensar em dinheiro pra comprar roupas, justo na adolescência, aquela fase… Entrei numa onda largada, de quem resolveu deixar de ser tímida e quis aparecer com um ar de rebeldia. Fiquei grunge, calças jeans rasgadas, herdadas de primos, camisa xadrez herdada de tio. As vezes eu era um mulambo ambulante. Mas era eu, de bem comigo, tentando levar a minha vida, fazendo amigos que gostavam de mim pelo que eu era.
Aos 20 anos, já na faculdade de arquitetura, amigos quebradeira no esquema “Curtindo a vida adoidado!” a gente quer mostrar que é diferente, alternativo. Corta o cabelo curtinho, faz experiências estéticas nos projetos de arquitetura e no closet. Pinta o cabelo de vermelho, faz estilo “Radical Chic”. Esquisitices, micro-saias, meias calças coloridas, barriga sarada à mostra.
Mas não temos 20 anos para sempre, aos 30, dizem que precisamos ter um estilo mais sóbrio e acabamos caindo no marrom, preto e bege. Ou a dupla básica, jeans e camiseta.
E um dia você se casa, no meu caso, sem alarde, sem vestido, sem igreja. Engravida, tem filho e entra naquela onda:
“Meu bem, tô pensando em pintar o teto de bege.”
E no meio de toda aquela alienação para o mundo exterior de qualquer mulher submersa na maternidade, um dia você vai pegar seu filho na escola e se depara com uma mulher super estilosa, toda tatuada, com um vestido lindo, cabelo bem curtinho, um salto enorme, também indo pegar o filho na escola. Olhei pra ela, olhei pra mim e me achei o cúmulo da caretice usando um sapato combinando com o vestidinho lilás. O filho da produzida, brincando no gira-gira e a minha cabeça girando atordoada, me perguntando como foi que eu caí naquele monotonia estética, naquele cabelo sem corte, aquele visual
“finge que eu não estou aqui”
Depois daquele dia, com frequência eu encontrava aquela mãe bem cuidada e simpática (ainda por cima ela era muito simpática!) que estava sempre sorrindo! Uma pessoa que se vestia daquele jeito só podia estar de bem com a vida! E eu pensando em como minhas roupas podiam me representar melhor. Definitivamente aquele ser entediante não era eu! Você se olha no espelho e pensa: “Essa pessoa não me representa!”, seu marido só tira fotos do seu filho, você só aparece por acaso. Você some.
Um dia aquela moça me contou que o pai do filho dela havia morrido quando ela estava grávida. Nem soube o que dizer, fiquei calada, chocada. Só no carro eu me lembrei daquele blog que eu não tinha coragem de ler quando estava grávida Para Francisco. Cheguei em casa e entrei no blog, claro. Ai fiquei sabendo que a moça tinha outro blog, tudo explicado Hoje vou assim, ela ia mesmo! Ela chegava, e a pastel alienada aqui via tudo ao vivo e aplaudia! Ela era Cris Guerra!
Reencontro
Acordei pra mim, ela passou por tudo aquilo e tinha aquela alegria toda de viver? É claro que eu também podia! Naquele momento resolvi largar o visual, “Vai à missa junto com as outras” como dizia minha avó. Mas aquilo foi só o começo. Numa brincadeira entre amigas pra ajudar a outra a achar seu estilo, começarmos a fazer nossas próprias fotos diárias, e como é bom se ver numa foto e avaliar seu guarda-roupas! Nessa brincadeira entre amigas eu me reencontrei! Hoje eu me visto pra mim, pra me sentir bem, pra mostrar quem eu sou, pra não passar despercebida. E daí se eu gosto de misturar azul com amarelo? Essa sou eu e todo dia eu vou assim!
E agora temos o #padecendonocloset no grupo secreto e no Instagram, acompanhe, participe! Apareça!
Meus agradecimentos às minhas amigas e consultoras de moda e estilo Silvia Torres e Bruna Tassis que me inspiram todos os dias!
Arquiteta mineira morando em São Paulo desde 2017. Fundadora da Padecendo no Paraíso, organizadora do livro “Manual da Boa Mãe”, dona de casa, agitadora social, feminista,paciente oncológica (câncer de mama). Antiga aluna do Colégio Loyola.
Casada e mãe de um menino, sempre gostou de se envolver com as questões do universo feminino. Tem grande preocupação com o coletivo e acredita que é necessário unir forças para melhorar o mundo.
Meu sonho é uma família de capa da revista Crescer. Sabe como é? Papai olhando enlevado enquanto mamãe amamenta um bebê gordinho, gordinho? Pois é, não foi bem assim. Amamentar era sentir dor e culpa, nada dava certo.
O Rafa nasceu na maternidade Santa Fé às 23 horas 42 minutos do dia 02 de março de 2013. Correu tudo bem e ele nasceu de parto normal e super-rápido. Um lindo bebe, todo branquinho, que ficou sambando nas roupas que a mamãe dele levou pra maternidade!
Depois de algum tempo subimos para o quarto e uma enfermeira veio para ajudar a coloca-lo no peito. Já achei estranho porque ela queria que eu amamentasse deitada. Tive muita dificuldade nessa posição e o pequeno não pegou de jeito nenhum!
Amamentar: dor e culpa
por Bárbara Myssior
No dia seguinte foi um desfile de enfermeiras, cada uma orientava de um jeito! Da o peito sentada, deitada, de ladinho! Tava parecendo mais o manual do Kama Sutra!
Moral da história:
Rafa só conseguia mamar pegando o peito errado! As enfermeiras mais desorientaram que orientaram! Além disso me explicaram desastradamente, que a livre demanda consistia em o bebê mamar a hora que quisesse e pelo tempo que quisesse… Receita para o desastre, né?
Chegando em casa estava tudo lindo! Meu Rafa era (e e!) um bebê alegre, calmo e dengoso! E, pensava eu, muito guloso, uma vez que mamava de hora em hora e por uma hora e meia!
No quinto dia de vida dele fomos à pediatra! O bebê que saiu do hospital pesando 2,800 kg já estava com 2,900 kg! E, apesar da pediatra falar que eu estava fazendo errado, que ele tinha que mamar por 15 a 20 min em cada peito, eu decidi continuar do jeito que estava fazendo, pois o bichinho tinha ganhado 100 gramas!
Acontece que meus seios já estavam se ferindo e amamentar foi se tornando cada vez mais doloroso!
Leite, dor e sangue
Quando o Rafa tinha 10 dias a situação se agravou. Na mamada da manhã percebi a boquinha dele suja de sangue, até eu atinar que era o meu sangue! Logo depois de mamar ele regurgitou sangue e pus! De tarde comecei a passar mal e, de noite, pouco antes dele acordar pra mamar, tive uma diarreia e quase desmaiei no banheiro de fraqueza!
Minha mãe me acudiu e na hora que o Rafa acordou pra mamar eu estava de pé. Porém, quando o pequeno pegou o peito eu quase desmaiei de dor! Percebi que o bico do seio tinha acabado de rachar de vez e passei-o pro outro peito.
Foi aí que a vaca foi para o brejo! Foi ele pegar o peito e eu vi estrelas! Como ele percebeu a situação ele ficou muito nervoso e travou a boca no seio. Eu me desesperei de dor e empurrei o Rafa pra longe! Com isso meu bico literalmente partiu no meio! A sorte foi minha mãe estar junto porque senão o Rafa tinha caído no chão.
Meu marido chegou em casa e encontrou a sogra consolando um bebe que estava aos berros e com a boca suja de sangue e uma esposa semi desmaiada de dor! Ele correu na farmácia comprou os protetores de silicone pros mamilos, mamadeira e leite artificial. A situação estava tão complicada que, nem com os protetores, eu consegui amamentar! O sangue jorrava! Demos a mamadeira e o Rafa parou de chorar e apagou!
Calvário
Foi ai que começou meu calvário! Durante toda a madrugada minha mãe e meu marido alimentaram o Rafa. Eu ficava no banheiro chorando, impotente, pois era eu chegar perto dele para ele não querer a mamadeira. Eu não conseguia alimentar meu filho! O horror!
No dia seguinte meus seios estavam ingurgitados e os mamilos tinham inflamado! Fui correndo à minha medica com o firme propósito de secar o leite!
Lá chegando ela ordenhou o leite! Quase morri de dor! Como eu tinha muito leite ela pediu pra eu ir pra casa e pensar melhor. Era pra eu ordenhar e dar o leite pro Rafa no copinho. Mas quem disse que eu conseguia ordenhar? De noite meus seios estavam ingurgitados de novo e eu urrando de dor.
Ajuda
Minha mãe entrou em contato com a Mariana Rios, enfermeira e especialista em aleitamento. Ela nos orientou em como ordenhar e veio no dia seguinte. Foi um anjo que entrou na minha vida! Ela me ajudou a ordenhar, passar o remédio e me enfaixou, para que eu tivesse um pouco de alivio! Com a ajuda dela eu conseguia ordenhar 60 ml por mamada! O Rafa passou a beber meu leite e mamadeira.
De qualquer forma a hora de mamar era um drama. Eu chorava o tempo inteiro! Meus seios doíam muito e meus mamilos estavam em carne viva! Além disso eu me sentia a pior das mães! Eu não conseguia alimentar meu filho! Era só chegar perto dele que ele tentava alcançar meu seio e desistia da mamadeira!
Minha mãe e minhas tias, tentando me transmitir força, só pioravam a situação! Minha mãe contou que eu quase arranquei o mamilo dela, uma tia contou que teve três mastites e continuou amamentando e a outra me mostrou que o segundo filho arrancou um pedaço do mamilo dela!
Nova tentativa
Só que o dia de tentar dar o peito foi chegando e eu dando pra trás! Era pra tentar em dois dias com o protetor de silicone, mas eu estava tão insegura que estiquei esse prazo pra quatro! Estava apavorada! Meu maior medo era machucar meu filho! Eu tinha certeza de que se sentisse uma dor como aquela de novo eu ia jogar o baixinho longe!
A Mariana veio, conversamos muito e ela segurou minha mão. Colocamos o Rafa pra mamar com o protetor. Doeu pra caramba! E o peito que já estava sarando começou a machucar de novo! Eu surtei! Mas a Mariana foi super legal! Deu o maior apoio e falou pra eu tentar de novo quando os peitos estivessem totalmente sãos e pra começar devagar deixando o bebe 5 min em cada peito e ir aumentando o tempo ate chegar em 15/20 minutos.
Fiquei um pouco mais aliviada, mas estava difícil de aguentar! Por um lado minha sogra que nunca amamentou nenhum dos dois filhos fazendo pressão pra eu secar, do outro minha mãe e tias dando uma de Xena a Rainha Guerreira pra que eu amamentasse a todo custo! Queria amamentar, mas tinha medo de doer muito e eu ficar com raiva e transmitir esse sentimento pro meu bebê!
Expectativa
A família inteira estava na expectativa. Todo dia um perguntava quando eu ia amamentar! Eu cada vez mais inclinada a secar, pois estava morrendo de medo de fracassar! Todo dia eu rezava pra ele não pegar o peito, porque ai a escolha teria sido do Rafa, o que aliviaria a minha culpa! Foram quase 10 dias de puro terror! Até que me cansei! Falei pra mim mesma acabar logo com isso, sair dessa, abrir uma Skol!
Esperei um momento em a ninguém estava prestando atenção em mim, catei o baixinho e entrei no banheiro! Taquei o peito nele e não é que ele mamou! E sem o protetor de silicone não doeu muito… Mas me deu uma aflição horrorosa! Fiquei o tempo todo olhando o relógio pra dar 5 minutos e ele sair dali! Que coisa horrível! Não olhei meu filho, não acalentei meu filho, não curti o baixinho. Fiquei olhando o relógio.
Isso me deixou super mal, mas insisti e consegui. Com dois meses e meio e eu já não olhava mais o relógio. Mas também não curtia. Curtia ele, não o ato. Não gosto que mexam nos meus peitos… Quando ele estava calmo, amamentar era lindo igual propaganda de Doriana! Quando ele estava nervoso ele mordia, beliscava, arranhava, apertava, chorava pra sair do peito, chorava pra voltar pro peito, arrotava, regurgitava, esperneava. E isso o tempo todo! Às vezes ele só queria o peito e cuspia fora a mamadeira e vezes que ele cuspia o peito e só queria a mamadeira! E era essa montanha-russa q me matava!
Dificuldade
A dificuldade foi aumentando. Como ele não estava ganhando muito peso a orientação foi que toda mamada fosse completada com leite artificial. No entanto, como ele ficava muito nervoso no peito, quando ele pegava a mamadeira ele estava exausto e não mamava direito! Quando eu passava o dia dando só mamadeira a coisa fluía, ele mamava tranquilo e a vida continuava.
Só que nesses momentos meus peitos ficavam doendo muito e, por mais que eu ordenhasse não adiantava. Ele começou a rejeitar meu leite e os leites artificiais que usávamos. Chorava de fome, tinha cólicas, gases e prisão de ventre. Até o dia que mudamos de leite! E um dos leites mais baratos e sem frescura foram a salvação da lavoura!
Secar o peito
Só que esse leite é mais docinho, não lembra tanto o leite do peito quanto os outros e então, apesar de mamar com sofreguidão a mamadeira, o Rafa começou a não se interessar tanto pelo peito e eu, que já não estava mais de corpo e alma nessa dança fui deixando pra lá. A desculpa q eu precisava pra parar de amamentar apareceu. O Rafa começou a engordar, eu comecei a produzir menos leite, a equação Rafa+mamãe do Rafa+mamadeira mostrou-se prazerosa. Ele parou de brigar com a comida e eu parei de brigar comigo mesma.
Fui à minha médica e decidi secar o peito. A produção já era pequena. No dia anterior amamentei o baixinho o dia inteiro e o que selou a decisão foi a madrugada. Coloquei-o no peito e a briga foi enorme. Mamou 5 minutos ao todo e me deixou monoteta – um peito meio cheio, um peito meio vazio e os dois doendo horrores! Chorou de fome como se eu estivesse batendo nele e quando finalmente pegou a mamadeira mamou 40 ml e dormiu de exaustão. Depois disso acordou de hora em hora com fome. Com isso fechei a fabrica. Sem dor, sem arrependimento, mas cheia de culpa.
Mamadeira
Agora o Rafa mama só mamadeira. Sem briga, sem stress, só chora quando quer mamar e depois reclama quando não quer mais. Mama uma quantidade muito maior e com muito mais calma. Não tem mais cólicas, faz coco todo dia e esta engordando a olhos vistos! Mas na minha cabeça sempre vai ficar a imagem de como poderia ter sido. A verdade é q não dei conta. Psicologicamente não consegui. Sinto-me julgada o tempo todo pela minha família e pelas super mães que amamentam até os filhos terem 15 anos de idade. Continuo achando a se tem dente não tem que mamar, mas na minha cabeça eu ia conseguir amamentar até os seis meses… Meu comercial de Doriana… Não deu. Não consegui. Não me arrependo, mas vou viver pra sempre com um “e se” na cabeça, com a sensação de não ter conseguido ser uma mãe completa.
Preconceito x Discriminação. Quem nunca ouviu pelo menos uma – senão todas – das afirmativas abaixo ao menos uma vez na vida? Em quê se baseiam? Por que o ser humano é tão preconceituoso?
Muçulmanos são fanáticos religiosos
Judeus são mesquinhos
Alemães são racistas
Ingleses são frios
Franceses são arrogantes
Latinos são desonestos
Americanos são ignorantes
Quem nunca ouviu pelo menos uma – senão todas – das afirmativas abaixo ao menos uma vez na vida? Em quê se baseiam? Por que o ser humano é tão preconceituoso?
A pedido da minha esposa, Júlia, mãe dos meus pequenos Felipe e André – esse último portador de diabetes tipo 1 – vou tentar discorrer um pouco sobre as origens e desdobramentos dessa nossa característica ao mesmo tempo tão nociva e tão necessária para a sobrevivência desde os primórdios da humanidade.
Antes de começar, me permitam uma breve apresentação. Sou médico formado pela UFMG em 2000 com residência em psiquiatria pelo HC-UFMG. Já passei pela psiquiatria clínica pelo SUS em nível ambulatorial e hospitalar, assim como pela docência em algumas faculdades privadas, pelas perícias cível e criminal e pela medicina privada e de planos de saúde, também em níveis ambulatorial e hospitalar. Posso dizer, com muita segurança, que um dos maiores desafios para o psiquiatra, além do diagnóstico e tratamento correto das enfermidades psíquicas, é o de ajudar o cliente que o procura a vencer preconceitos que vão sendo criados e cultivados junto com a formação da sua personalidade.
Preconceito x Discriminação
pelo psiquiatra Luís Augusto Dias Malta
Preconceito pode ser definido, de uma maneira geral, como uma ideia preconcebida a respeito de uma pessoa (ou grupo de pessoas), lugares ou objetos. Trata-se, portanto, de uma avaliação prévia, muitas vezes sem um embasamento concreto, que tenderá a definir uma conduta a respeito da pessoa, lugar ou objeto avaliado.
Antes que se diga que preconceito é sempre ruim (o que seria, em si mesmo, um preconceito!), é bom deixar claro que se trata de um instrumento de sobrevivência. Uma bela jovem evita passar por lugares ermos à noite porque ela já carrega, desde menina, a ideia de que esses lugares são perigosos. Crianças evitam abordagens de estranhos porque carregam a ideia preconcebida, incutida pelos pais, de que estranhos são malfeitores em potencial. Se alguém vir uma pessoa com uma suástica tatuada no braço, certamente fará um juízo a respeito do caráter dessa pessoa e evitará o contato com ela. Portanto, preconceito é um termo amplo e muito abrangente. Estamos exercendo preconceitos o tempo todo, até porque o nosso psiquismo não teria como processar cada estímulo que aparece a todo instante e só fazer um juízo a respeito desses estímulo depois de uma longa deliberação.
O problema maior é quando o preconceito determina atitudes discriminatórias injustas, baseadas em ideias falsas, muitas vezes disseminadas por ignorância ou para que o indivíduo encubra seus próprios medos e fantasmas.
Voltando aos exemplos de maus preconceitos enumerados no início deste texto, a respeito de alguns povos e religiões, eles são fruto de ignorância e, via de regra, as ideias preconcebidas tendem a ser corrigidas quando a pessoa é colocada em contato com aquele grupo; de um modo geral, não causam maiores danos.
Para falarmos, no entanto, das ideias discriminatórias que nascem da parte mais sombria do nosso psiquismo, consideremos que todo ser humano tem um ideal de beleza e perfeição (“Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança”, segundo a Bíblia) e um dos seus medos mais secretos é o de não corresponder a esse ideal. Assim, na formação de nossa personalidade, nos deparamos constantemente com limites físicos ou estéticos que tentamos esconder o máximo possível. Quem nunca desejou ser um pouco mais alto, um pouco mais magro, um pouco mais forte, ter melhor desempenho nos esportes, ser objeto de desejo sexual, ter os filhos mais bonitos, inteligentes e educados da face da Terra?
O comportamento discriminatório
Quando nos deparamos com alguém que foge a essa estética imposta por séculos e séculos de civilização, tendemos a nos sentir incomodados porque essas pessoas nos lembram de nossos próprios fantasmas, limites e imperfeições, segundo um conceito moral nem sempre verdadeiro. Uma parada gay, por exemplo, lembra aos heterossexuais que eles têm um aspecto homossexual na formação de suas personalidades que gostariam de esquecer. Um obeso tende a lembrar a muitos não obesos que eles comem mal e se exercitam menos do que gostariam. Uma criança com algum tipo de deficiência lembra aos outros pais que pode ser que seus filhos não sejam assim tão perfeitos. Enfim, quando somos confrontados com a fragilidade do nosso ideal de perfeição, tendemos a exercer mecanismos de defesa para afirmar a nossa “superioridade” em relação àquela minoria e abafar nossos medos e preconceitos a respeito dos nossos próprios limites. Daí nasce o comportamento discriminatório, uma das piores características do ser humano.
Na semana passada, uma menina de apenas 07 anos, acometida há seis meses pela diabetes tipo 1, foi um exemplo típico de uma vítima dessa comportamento nocivo, como ficou notório nas redes sociais. A resposta do colégio a essa situação delicada foi a pior possível, só reforçando uma filosofia antiquada e preconceituosa contra as diferenças, que tanto incomodam o ser humano – chegou-se ao absurdo de afirmarem que o comportamento discriminatório era necessário para que a menina não fosse discriminada!
Focando o problema apenas nas crianças, exemplos como o descrito acima não faltam e a abordagem nas escolas, quando ocorre, costuma ser tímida e pouco objetiva. Fala-se muito em “não ter preconceito”, algo impossível, como demonstrado acima, já que o preconceito faz parte da formação da nossa personalidade. O que é preciso dizer, sem hipocrisia, é que o preconceito existe e que, se não for reconhecido e adequadamente trabalhado, poderá levar a atitudes discriminatórias muitas vezes injustificáveis e, em casos extremos, descambar para o bullying e outras formas mais abertas de violência social e psíquica.
Uma abordagem que sempre surte efeito e que pode ser facilmente usada, são as palestras com exemplos inspiradores de superação de diferenças. Exemplos como o de Hector Castro, atacante e maior ídolo da seleção uruguaia campeã da Copa de 1930, que não tinha uma das mãos; ou de Fanny Blankers Koen que, aos 30 anos e já mãe de duas filhas, ganhou, contra todas as probabilidades, quatro medalhas olímpicas em 1948 (não houve as Olimpíadas de 1940 e 1944, quando Fanny estava no auge da forma física, por causa da II Guerra e a percepção geral era a de que seus anos de ouro já tinha passado) e o título de atleta feminina do século; ou do físico Stephen Hawking, que, apesar de uma rara doença degenerativa que praticamente o isolou do mundo, é considerado um dos mais importantes cientistas da atualidade.
Outra dinâmica que pode ser sugerida para os pedagogos é a de convidar as crianças a enumerarem suas deficiências e limitações, visando uma mais fácil inclusão da criança com algum tipo de necessidade especial naquele grupo.
Em uma era de mudanças rápidas e informação imediata, como a que vivemos, não há mais espaço para ideias cristalizadas e arraigadas em conceitos antiquados. Termos como “diga não ao preconceito” soam incompletos. Precisamos reconhecer que a discriminação gerada pelos maus preconceitos existe é o principal fator de sofrimento que pais, alunos e instituições precisam enfrentar, se quiserem um bom lugar ao sol em uma sociedade cada vez mais plural e mais aberta a acolher as diferenças, apesar de todos os desafios que ainda temos pela frente.
Em agosto de 2012, poucos dias antes do meu aniversário de 34 anos, recebi o diagnóstico de câncer de mama. Estava no momento que eu avaliava ser o mais feliz da minha vida, fazia pouco tempo que eu estava trabalhando no setor que sempre sonhei estar na empresa, fiz um novo corte de cabelo; minha filha, Rafaela estava com 2 anos e 2 meses, cheia de saúde e ganhara uma linda festa de aniversário; meu marido, Rodrigo, estava trabalhando a todo vapor. Tudo andando conforme o planejado e de repente, essa notícia. Lições de vida que servem para nos ensinar.
Eu me lembro como se fosse ontem, eu e o Rodrigo estávamos sentados de frente para o Mastologista e ele disse olhando nos meus olhos:
O que você tem é um carcinoma ductal invasor na mama direita.
Eu sabia que aquilo não poderia ser legal, um nome tão feio, mas ainda não tinha entendido e então ele ligou a tecla SAP:
Câncer de mama
Naquele momento, virei Maysa, “Meu mundo caiu”, fiquei sem chão, lidar com o câncer era lidar com a morte e a única coisa que veio na minha cabeça era a Rafaela. Eu queria muito ver minha filha crescer, que pegadinha é essa hein Jesus Cristo? Eu não quero morrer. E junto com isso, milhares de dúvidas:
– Porque? O que eu fiz pra provocar isso?
Passado o susto do diagnóstico, fui pra casa, tinha que dar a notícia pra família toda e a minha mãe era uma grande preocupação que eu tinha, mãe nenhuma gosta de ver filho doente, eu sei, sou mãe, se eu pudesse teria todas as gripes no lugar da Rafa, e foi isso que minha mãe me disse:
“Porque não eu? Porque você? ”
Então eu sacudi a poeira e disse pra ela que eu era muito forte, mas que se ela ficasse muito triste, talvez eu não aguentaria, eu precisava ver esperança nos olhos dela, a minha mãe chorou demais e eu pensei que eu tinha que enfrentar isso tudo e vencer, porque eu tinha muita sorte de ter a família que tenho.
Vencendo o câncer de mama
Minha vida se transformou por completo. As quimioterapias começaram, foram no total onze medicações e a minha vida não parou, eu tinha contas pra pagar, a Rafaela queria atenção, o Rodrigo também, a casa tinha que funcionar, comida, roupa, etc.
Percebi que eu não poderia deixar o câncer tomar conta da minha vida, eu tinha que educar a minha filha sem que essa doença fosse um peso pra ela. Criança de dois anos de idade, não precisa saber o que é câncer, mas tem que entender as mudanças que a doença trás, porque ela já tem noção de quando as coisas não estão normais.
A ajuda do Rodrigo foi essencial nesse processo, ele me acompanhou nas medicações, cuidou de mim e principalmente da Rafaela quando eu não conseguia levantar da cama. Senti muito enjoo no começo e ela não percebeu nada, porque a gente sempre dava um jeito de passear com ela ou leva-la pra casa da minha mãe quando eu não estava bem.
A queda do cabelo
A queda do cabelo foi outra etapa que tive que trabalhar para que a Rafa não sentisse, como eu sabia que ele iria cair, fui cortando de 15 em 15 dias, até que raspei com máquina quatro.
Nesse tempo, fui conversando com ela sobre esse assunto, de maneira bem leve e sempre falando a verdade, meu cabelo iria cair todo, mas iria nascer de novo.
Pra que ela entendesse que isso seria possível, mostrei fotos de quando ela era bebê e era carequinha, então fazia ela olhar no espelho com o cabelinho grande.
Deu tudo certo, ela conviveu com isso de forma natural, passava a mão na minha careca, brincava com a minha peruca, talvez o trabalho que fiz com ela, não tenha sido o motivo dela ter lidado com tanta naturalidade, criança é surpreendente, eles são desprovidos de preconceito e nos ensinam muito.
No Natal, a Rafaela pediu ao papai Noel que me desse cabelo de presente e pra ela uma máquina de lavar de brinquedo.
A medicação
As últimas medicações me fizeram muito mal, tive reações alérgicas e o meu oncologista decidiu que eu teria que ir para a cirurgia, esse foi o momento mais difícil da minha vida. É muito doloroso pra uma mulher que se preocupava com a aparência perder os cabelos, as unhas e o seio, mas saber que eu ficaria livre do câncer me confortava e mais, me fortalecia.
Por falar em fortalecer, várias pessoas foram muito importantes nesse tratamento, minha família, meus amigos, minha mãe, o Rodrigo e a Rafaela, durante todo o processo recebi muitas mensagens carinhosas, telefonemas, amigos vinham a minha casa pra rezar uma novena pra mim, foram momentos maravilhosos que eu jamais pensaria um dia na vida que seriam proporcionados por uma doença tão agressiva.
Hoje eu faço um tratamento em casa a base de tamoxifeno e me sinto curada, plenamente curada e mais, me sinto grata. Grata por sentir gosto da comida, por andar sem dor, por ver meu cabelo crescer, poder passear com a minha filha, por leva-la na escola. Falando nisso, essa semana estava muito quente e resolvi não colocar peruca ou chapéu para levar a Rafaela no colégio, meu cabelo está muito curto e ela me perguntou:
– Mamãe, você vai na escola careca?
Perguntei se ela queria que eu colocasse o chapéu ou a peruca e ela respondeu:
– Não mamãe, você fica mais linda careca, você é minha princesa.
Não tive mais palavras pra esse momento, senti uma imensa alegria.
Por sete meses fui privada de coisas muito simples e que nos trazem muito conforto, mas jamais fui privada da minha felicidade, porque a maior delas, eu conheci em junho de 2010, mais especificamente dia 14, o dia que vi pela primeira vez o rosto da minha princesa.
O câncer não é atestado de óbito, e se tratado com fé, pode nos ensinar a viver.